quarta-feira, junho 07, 2006


Alckmin, candidato para quê? Para nada
Elio Gaspari


O GRÃO-TUCANO GERALDO Alckmin acredita que seu desempenho como candidato a presidente mudará de qualidade a partir de 15 de agosto, quando começa o horário gratuito na televisão. Pode ser, mas isso não muda o fato de que até agora, com três meses de exposição, Alckmin encarna um desastre partidário, administrativo e individual.
O desastre partidário antecede ao aparecimento de sua candidatura. Ele ocorreu em julho do ano passado, quando o grão-tucanato acreditou que poderia denunciar as malfeitorias petistas sem prestar contas da relação de seu presidente, Eduardo Azeredo, com as arcas de Marcos Valério. Deram ao PT o direito de dizer que "somos todos iguais". Acreditaram que, baixando a bola da estrela vermelha, o resto viria por gravidade. Não veio. (É de justiça reconhecer que FFHH jamais acreditou nessa bobagem.)

O PSDB acredita que pode eleger um candidato que confisca descontos em tarifas de transportes públicos

O desastre administrativo explodiu nos dias trágicos do colapso da segurança pública em São Paulo. Como diria Leonel Brizola, isso era coisa que vinha de longe. Alckmin é caso único de governante que, depois de confiscar um desconto nos transportes públicos de uma cidade, espera eleger-se com os votos de seus habitantes.
Em janeiro do ano passado, o doutor tungou um rebate de 10% que o Metrô de São Paulo dava aos usuários que compravam dois bilhetes. Além disso, comeu metade do bônus oferecido a quem comprava dez passagens. Mordida de R$ 1 para cada vítima. Isso enquanto foi governador. Sendo candidato a presidente, deixou o Estado com o vice Cláudio Lembo, que acabou de vez com o alívio. São medidas demófobas e retrógradas.
Os metrôs de São Paulo (estatal) e do Rio (privado) correm o risco de se transformar nos últimos do mundo a trabalhar com tarifas burras.
O sistema de Nova York, por exemplo, cobra US$ 2 pelo bilhete, mas oferece diversas modalidades de descontos. Quem compra um cartão de US$ 10 ganha uma viagem grátis.
Para o usuário que vai e volta do trabalho todos os dias úteis, o metrô de Alckmin cobra R$ 105 (US$ 46) mensais, sem choro nem vela. Coisa de cidade rica. Em Nova York, burgo de miseráveis, esse mesmo trabalhador paga US$ 38 por um cartão que lhe permite viajar quantas vezes quiser, durante um mês. Lá, houve um choque de gestão. Cá, há o choque de burrice.
O desastre individual de Alckmin ocorre quando se percebe que o doutor já vestiu gibão de couro, comeu churrasco de bode, foi barrado em cercadinho VIP de forró, mas ainda não conseguiu enunciar uma só idéia que fosse boa e nova. Pior: nem ruim e velha. Nada. Repete platitudes até quando insulta seu adversário. Isso num cenário em que o PSDB assiste à erosão de redutos eleitorais significativos. Cada pesquisa indica novos e dolorosos rombos na rede eleitoral tucana.
Os próximos meses serão duros para Geraldo Alckmin. E duros serão também para a choldra que terá que ouvi-lo. Isso porque, seja qual for o assunto, o doutor dirá:
"Esse problema precisa de estudo e firmeza. Devemos avaliar cada etapa do processo e avançar com passo seguro e determinação. Façamos o que ensina Anatole France: se a idéia é boa, copie-a. Eu acrescentaria: se não for boa, não a copie."
Como escreveu o poeta Ascenso Ferreira:
- Para quê?
- Para nada.

terça-feira, junho 06, 2006


A grande oportunidade

Se vencer as eleições, Lula sabe que o próximo mandato poderá colocá-lo na História ao lado de Vargas ou ao lado de Fernando Henrique. Cabe-lhe escolher o seu companheiro de posteridade. Mas como será possível retomar um projeto de desenvolvimento com o Congresso que temos?

Mauro Santayana

Começa a esboçar-se a consciência de que o próximo governo Lula (frágeis que são as possibilidades de que venha a ser derrotado) será a grande oportunidade para que o Brasil reorganize o Estado e, voltando atrás 50 anos, retome o velho projeto de desenvolvimento econômico soberano e de solidariedade nacional. É nesse momento que o Presidente Luís Inácio é chamado a refletir seriamente em como conduzir a campanha eleitoral, de forma a garantir, sem sobressaltos maiores, a reeleição, e comece a pensar em como liderar a nação nos próximos quatro anos.

O Presidente conhece as suas fragilidades, mas também a sua força. Se lhe faltam os conhecimentos acadêmicos, sobra-lhe a experiência do sofrimento do povo. Desde que os gregos descobriram a dialética, sabemos que a força pode nascer da aparente debilidade. Um líder, ainda que seja o mais erudito de todos os homens, deve saber ouvir até mesmo o mais ignorante deles. Se alguém souber tudo, ainda lhe faltará saber alguma coisa. E mais, se o conhecimento não for amparado na sabedoria da dúvida, corre-se o risco de comprometê-lo com a infecção da vaidade e da arrogância. Saber ouvir e calar-se nas horas que a exigem, é a maior virtude dos líderes.

Vamos passar por horas difíceis, no plano interno e no plano externo. Temos que buscar o equilíbrio entre a austeridade administrativa e a necessidade de investir a prazo maior, na educação, na saúde e na segurança pública. Estivemos, nos últimos quarenta e dois anos, sob a ditadura do pensamento técnico. É hora de substitui-lo pelo pensamento humanista. Em recente artigo, o Sr. Delfim Neto lembrava o clássico Adam Smith e suas idéias éticas sobre o papel da economia. É uma boa lembrança, quando o pensamento do filósofo inglês é freqüentemente mal traduzido em nosso País.

Criticam-se, e este mesmo colunista o fez, programas meramente assistencialistas, como o Fome Zero. Seria melhor que adotássemos a estratégia do New Deal, de oferecer empregos, mesmo precários e para atividades desnecessárias, em troca de salários, ainda que reduzidos, do que simplesmente distribuir dinheiro. As contrapartidas exigidas dos assistidos, importantes do ponto de vista social, não são vistas como trabalho – e só a consciência de que ganhamos o pão com o suor do rosto confere dignidade às pessoas. Mas, de qualquer forma, embora não atinja todo o universo da miséria, e possa ser fraudado pelos espertos (entre os pobres também os há, porque as falcatruas não são privilégio dos ricos, embora sejam eles mais bem sucedidos e sempre impunes), o programa trouxe grandes resultados.

No caso da educação, a crítica à preferência atual pelo ensino universitário procede. O Ministro Haddad defende esse privilégio com o argumento de que é preciso vir de cima para baixo, ou seja, formar professores secundários para que esses formem professores primários. Ora, o ministro, provavelmente um técnico, está enganado. As antigas escolas normais substituíam as universidades e formavam excelentes mestras e mestres, não só para o ensino fundamental, como, também, para os ginásios e colégios. Ensinar a ler e a escrever não é bicho de sete cabeças: basta aos professores saber ler e escrever, coisa que está sendo difícil hoje, mesmo entre os licenciados pelas universidades privadas (e, para nosso desespero, algumas públicas). A mania de dar parâmetros técnicos e formais ao ensino elementar dele retirou o básico e fundamental, que é ensinar a ler, a escrever e a contar – e, assim, a pensar -, como ocorria no passado. Mais do que isso: mesmo sob o domínio das oligarquias, os governos estimulavam os princípios éticos que constroem as nações. Livros como Contos Pátrios, de Bilac e Coelho Neto, e textos didáticos como os de Tales de Andrade ensinavam as crianças a ser honestas, honradas e solidárias. Os adolescentes de hoje terminam o primeiro grau sem entender o que lêem e sem entender o que escrevem.

Uma reforma na educação deveria ter por norma essa condição essencial. Quem sabe ler bem e escrever com lógica, sabe pensar e está preparado para aprender o que quiser, mesmo que, por uma ou outra razão, não queira ou não possa freqüentar a universidade.

Temos que dispensar o mito do diploma universitário. Nos sistemas socialistas que, em matéria de educação, demonstraram grande eficiência, a universidade sempre foi destinada aos candidatos mais bem dotados de inteligência e mais preparados. Os investimentos devem trazer retorno – e os gastos públicos para formar incompetentes são desperdício de recursos comuns da sociedade, principalmente em países pobres como os nossos. Daí a ênfase que se deve dar à educação profissionalizante. Nesse particular, o Exército está realizando um trabalho fascinante – que a mídia tem desconhecido – na preparação profissional de seus recrutas. Um dos grandes êxitos do governo Lula foi o de aumentar, em 50.000 homens, o recrutamento de jovens para a força de terra. Esses homens, além do soldo simbólico que recebem, alimentam-se nos quartéis e ali aprendem um ofício.

A mesma estratégia deve ser empregada em outros setores. Temos que assumir as nossas condições reais, sem desprezar os nichos de excelência. É preferível uma educação elementar de qualidade a milhares de centros universitários que fornecem diplomas a jovens sonhadores, e que, depois, não têm o que fazer com eles. Para os bem preparados (e bem preparados continuam a ser os ricos) sempre haverá carreiras exitosas à espera. Aos ludibriados assiste o direito de imprimir cartões de visitas com o título de advogados, de médicos, de engenheiros.

Como não poderá reeleger-se uma terceira vez, Lula sabe que o próximo mandato poderá colocá-lo na História ao lado de Vargas ou ao lado de Fernando Henrique. Cabe-lhe escolher, nos próximos quatro anos, o seu companheiro de posteridade. Mas – é a pergunta que fatalmente farão os leitores: como será possível retomar o projeto de desenvolvimento de Getúlio e de Juscelino com o Congresso que temos?

Lula, com sua capacidade didática de se dirigir ao povo, pode aproveitar a campanha eleitoral a fim de recomendar – sem citar nomes ou partidos – a eleição de homens honrados e capazes. Eles existem em todas as regiões do País, e podem ser facilmente identificáveis pelos cidadãos e pelos diretórios regionais dos partidos. O Brasil não suporta mais uma legislatura tão apodrecida quanto a que sofremos nesses últimos três anos e meses.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.