segunda-feira, julho 17, 2006

Pinochet, quem diria, acabou no CV

Pinochet liderou o golpe contra Salvador Allende, em setembro de 1973, e pôs seu amigo Manuel Contreras no comando da Dina, a Direção de Inteligência Nacional, órgão máximo da repressão. Agora, Contreras denuncia que fortuna de Pinochet veio do tráfico de cocaína.

Luiz Augusto Gollo

O general Manuel Contreras, comandante do aparato militar responsável pela prisão e desaparecimento de sabe-se lá quantos chilenos nos anos 70 e 80, hoje cumpre pena pelo assassinato de um alfaiate. Da cadeia, enviou carta ao juiz Cláudio Pavez, que investiga a morte do coronel Gerardo Huber, em 1992, em que atribui a riqueza do general Augusto Pinochet ao refino de cocaína numa instalação do exército na cidade de Talagante. Contreras era amigo fraterno de Huber, ligado ao tráfico de armas para a Croácia, durante a guerra nos Bálcãs, na década passada. Tutti buona gente, não é mesmo?

Pinochet liderou o golpe contra Salvador Allende, em setembro de 1973, e pôs seu amigo Manuel Contreras no comando da Dina, a Direção de Inteligência Nacional, órgão máximo da repressão política aos opositores da ditadura. Em menos de dois anos, o então coronel lançou a pedra fundamental da Operação Condor, que a partir de 1976 foi integrada pelas forças militares das ditaduras de Argentina, Brasil. Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia.

Para cumprir seu papel, a operação mantinha uma “central de coordenação” que checava arquivos próprios e alheios, recebia relatórios com antecedentes e acionava outras instâncias para obter novos dados. Na comunicação entre si, os órgãos empregavam linguagem cifrada, código simples em que cada letra minúscula da mensagem clara era substituída por uma maiúscula do alfabeto cifrado.

O modelo do banco de dados foi inspirado no da Interpol parisiense, com uma novidade, que era a categoria “subversão”. Tudo foi planejado cuidadosa e detalhadamente, para funcionar como “um sistema de comunicações moderno e ágil, que permita atender aos princípios de rapidez e oportunidade na entrega da informação”, como detalha o documento encontrado pelo professor Martín Almada no porão de uma delegacia policial paraguaia, depois da deposição do decano dos ditadores sul-americanos, Alfredo Stroessner.

Tamanho grau de sofisticação não prescindiu de apoio financeiro nem material da inteligência norte-americana, comprovado por informações como a encontrada pelo professor Patrick McSherry, da Universidade de Long Island, ao examinar documentos sobre o envolvimento do governo dos EUA com as ditaduras sul-americanas. O próprio Departamento de Estado admitiu a participação de seus oficiais na montagem da Operação Condor, num telex de 1978, enviado pelo embaixador no Paraguai, Robert White, ao departamento. Nele, diz que instalações norte-americanas em Assunção foram ”usadas para coordenar as informações da inteligência” entre os países sul-americanos.

O telex acrescentava que “obviamente, esta é a rede Condor, da qual temos ouvido falar nos últimos anos”. Ao noticiar o fato, o jornal “The New York Times” adiantou que o documento abria novas frentes de investigação acerca da participação norte-americana na Operação Condor, “que, entre outras coisas, organizou esquadrões da morte para assassinar críticos em seu país de origem e no exterior”.

É o idealizador desta verdadeira rede de extermínio internacional, o agora general Contreras, quem acusa seu antigo chefe de produzir e traficar cocaína, com a colaboração do empresário Edgardo Bathich, do traficante sírio Monser Al Kassar e do filho mais novo de Pinochet, Marco Antônio. O responsável pelo refino da cocaína era o químico Eugênio Berríos, funcionário da Dina assassinado no Uruguai, para não depor sobre o envolvimento da Dina na morte do chanceler do governo Allende, Orlando Letelier, em Washington, capital norte-americana, ocorrido em setembro de 1976 – um mês depois do acidente que vitimou Juscelino Kubitschek na Via Dutra. Aliás, os três principais líderes civis da oposição brasileira morreram no espaço de nove meses, entre agosto de 76 e maio de 77, no começo da Operação Condor: JK, João Goulart e Carlos Lacerda.

A denúncia de Contreras confirma a suspeita da disseminação das drogas como política de governo para anestesiar a juventude rebelde e manter a sociedade sob controle mais facilmente. A revolta dos estudantes na França, nos Estados Unidos, na antiga Tchecoslováquia e em outras partes havia repercutido também nos países sul-americanos, com evidentes transtornos para os regimes ditatoriais. Além disso, a liberação sexual e a contracultura eram fenômenos também recentes, e os militares optaram por deixar circularem as drogas entre os jovens como forma de canalizar para outro lado sua rebeldia. No Brasil dos anos de chumbo, quem foi preso por droga “dançou” e quem foi preso por política “caiu”, segundo a terminologia que distinguia os “alienados” dos “conscientes”.

A tolerância das drogas gerou a rápida expansão do mercado e a formação dos grupos de produção, importação e comercialização que se fortaleceram através dos anos. Por sua vez, o surgimento da guerrilha urbana trouxe os assaltos a banco (“expropriações”) e seqüestros de cunho político. A repressão a esses crimes juntou nas cadeias revolucionários e bandidos comuns, convivência que propiciou aos segundos rudimentos ideológicos cujo resultado são o Comando Vermelho, o Terceiro Comando e outras facções criminosas ligadas ao narcotráfico no país e no exterior. Com sua denúncia, Manuel Contreras inseriu ditador Augusto Pinochet neste complexo cenário, onde o mesmo agente está em ambos os lados do processo. Não é o único, com certeza, mas deve ser o mais proeminente e emblemático, até o momento, pelo menos.

(*) Jornalista e escritor, pesquisou a Operação Condor e os assassinatos políticos na região do cone sul-americano durante o ciclo militar iniciado em 1964 no Brasil.

sexta-feira, julho 14, 2006

Tucanos são orientados a insinuar ligação entre PT e PCC

A ordem pode ter partido do comando de campanha do presidenciável tucano Geraldo Alckmin. Os principais caciques do PFL e do PSDB foram orientados a insinuar que os recentes ataques criminosos em SP estão sendo manipulados por interesses políticos a serviço do PT para influenciar o resultado eleitoral. A estratégia é seguir a velha máxima nazista de que uma mentira repetida mil vezes tende a ser encarada como verdade.

Os responsáveis pela comunicação da campanha tucana acreditam que acusando o PT de estar por trás dos ataques, poderão minimizar o impacto negativo que a nova onda de violência terá sobre as candidaturas do PSDB, partido que esteve à frente do governo paulista na última década e que é o principal responsável pela má gestão das questões de segurança no Estado.

Em maio, quando SP viveu a primeira onda de violência patrocinada pela organização criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital (PCC), o marqueteiro dos tucanos, Luiz Gonzalez, orientou as lideranças do PSDB e do PFL a adotarem um discurso único, culpando a suposta falta de repasse de recursos federais pela crise de segurança no Estado. A estratégia, na ocasião, parece ter dado resultado pois uma pesquisa do Datafolha feita dias depois detectou que parte considerável da população via o governo federal como responsável direto pela situação.

Agora, a orientação é mais incisiva: busca-se identificar o partido do presidente Lula como co-responsável pelas ações criminosas. A orientação de apontar o dedo acusador contra o PT vem sendo seguida à risca. Todas as principais lideranças tucanas e pefelistas procuraram a imprensa para insinuar a ligação entre o PT e o PCC.". A estratégia é seguir a velha máxima de que uma mentira repetida mil vezes tende a ser encarada como verdade.

O primeiro a atacar o PT com a calúnia arquitetada no comando da campanha tucana foi o presidente nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC). Ele afirmou na quarta-feira, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, que o PT poderia "estar manuseando, manipulando essas ações (do PCC)." Ainda segundo o senador, "o PT vive no submundo e nada mais me espanta nesse partido."

E continuou: "O PT vive no submundo de Santo André (onde o prefeito petista Celso Daniel foi assassinado), vive no submundo do mensalão (acusação de pagamento de votos no Congresso) e vive no submundo do MSLT (o movimento de sem-terra que invadiu e depredou o Congresso e cujos líderes estão sendo denunciados). Então, tudo é possível, nada seria surpresa."

Só depois das declarações tão contundentes o presidente do PFL fez ressalvas. "Não estou acusando, mas mantenho minhas desconfianças", disse primeiro. "São dúvidas, não afirmativas", acrescentou em seguida. Ele já foi o centro de uma polêmica nacional, ao dizer que queria se ver livre "dessa raça", referindo-se ao PT.

No dia seguinte, foi a vez do candidato do PSDB ao governo paulista, José Serra, repetir as mesmas ilações. Serra afirmou que são fortes os indícios de que há ligações entre o PT e o PCC . "Há indícios, sim. Basta você olhar manifestos do crime organizado, o que eles dizem sobre a política e coisas que se diz que eles (PCC) dizem, inclusive nas gravações. Eu não diria que há provas, mas isso merece ser investigado", comentou.

O candidato a vice-governador de São Paulo na chapa de Serra, Alberto Goldman (PSDB), também bateu na mesma tecla. "Há informações de que o PCC, em suas áreas de atuação, tem trabalhado contra os candidatos do PSDB. Não quero suspeitar sobre a quem isso interessaria."

O quarto a repetir a seguir a orientação de dar conotação eleitoral aos ataques do PCC foi o vice de Alckmin, o senador José Jorge (PFL-PE). Ele manifestou a suspeita de que os ataques têm por objetivo prejudicar a candidatura de Alckmin, governador de São Paulo até recentemente. "Há uma coincidência: quando as pesquisas estão a favor de Alckmin, os ataques recomeçam. O PCC trabalha de acordo com as pesquisas?", ironizou o candidato à vice-presidência.

José Jorge não vinculou diretamente as ações criminosas ao PT como fez o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), mas disse que Bornhausen fala pelo partido e, se afirmou que o PT pode estar manipulando o PCC, deve possuir alguma informação sobre isso. "Pode ser apenas uma coincidência, mas tem acontecido", acrescentou Jorge.

Por fim, o próprio candidato da direita, Geraldo Alckmin, deu corda para a especulação levantada por seus colegas. Alckmin disse ontem considerar “muito estranha” a nova onda de ataques de quadrilhas de São Paulo e cobrou uma investigação das forças policiais sobre quem poderia estar por atrás desses atos de violência. “Tem muita coisa estranha por trás de tudo isso. Mas eu não vou fazer qualquer observação política. Acho que cabe aos órgãos policiais a investigação profunda dos fatos e de suas origens. É estranha a forma como as coisas ocorrem, a época e a maneira como os atos foram desencadeados. Mas não vou politizar esse debate — afirmou Alckmin, logo depois de desembarcar em Brasília para reunião com o comando da campanha.

Reação forte

Lideranças do PT e autoridades ligadas ao governo Lula reagiram com veemente repúdio às ilações levantadas pelos tucanos e pefelistas.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos afirmou que a segurança é tão séria que não pode ser objeto de guerra eleitoral. “Segurança pública tem que ser tratada com impessoalidade. Eu preferiria não comentar a politização, porque sou frontalmente contrário a ela. Há gente morrendo, sofrendo, vivendo a angústia de não saber o amanhã. É um absurdo que se queira transformar essa crise em ponto de apoio para se obter vantagem eleitoral. É descabido.", disse Bastos.

O ministro da Articulação política, Tarso Genro, chegou a afirmar que as declarações de Borhausen, “são de um quilate tão rebaixado, de uma postura tão autoritária e tão caluniosa" que nem merecem resposta.

Mas a resposta veio. E veio com ênfase.

O presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, emitiu uma nota afirmando que o senador pefelista age de forma irresponsável, oportunista e golpista.

"Lamento que um senador da República aja de forma tão irresponsável e golpista, usando do oportunismo em um assunto de tamanha gravidade como a crise e a violência que se alastra no Estado de São Paulo", afirmou o presidente no PT na nota.

Mais tarde, ao saber que Serra e Alckmin haviam repetido o gesto de Bornhausen, Berzoini voltou à carga. Afirmou que considera isso tudo uma demonstração de desespero eleitoral, “uma tentativa de manipular a opinião pública e de repassar responsabilidades".

Segundo Berzoini, a população brasileira saberá olhar para as afirmações como uma manifestação de oportunismo político por parte de Alckmin e Serra, que segundo ele se enquadram cada vez mais "na direita brasileira". "É o triste fim do PSDB como porta-voz da Arena", disse o presidente nacional do PT, em referência ao partido que dividiu a cena política brasileira com o MDB durante o regime militar.

Berzoini sustentou que o PT vem tentando debater a questão da violência em São Paulo durante os 11 anos de administração do PSDB no Estado, sem atribuir aos tucanos o crescimento do PCC.

Logo depois, ao discursar durante o jantar que marcou o início da campanha reeleitoral de Lula de em São Bernardo do Campo (SP), Berzoini pediu aos presentes que fizessem um minuto de silêncio “pelas vítimas da violência em São Paulo, em condições mal explicadas”.

Durante o evento, o próprio presidente Lula tocou no assunto. O presidente Lula queixou-se em discurso do "jogo rasteiro" dos adversários. "É no mínimo insanidade querer vincular o PT ao crime organizado quando eles cuidam há 12 anos das cadeias de São Paulo. Por favor, leviandade também tem limite", disse Lula.

Poucas horas antes, Mercadante já havia reagido às declarações de Serra, qualificando-as de levianas."Acho uma afirmação absolutamente leviana, que mostra o desespero político. A palavra dele (Serra) não pode ser levada a sério depois que desistiu de ser prefeito de São Paulo", disse.

"Qualquer indício, ele (Serra) tem obrigação de apresentar e pedir investigação e apuração, que é o sempre o que nós queremos na vida pública", afirmou Mercadante.. O líder petista cobrou uma posição daqueles que, segundo ele, não souberam organizar um sistema de segurança pública eficiente.

Ao chegar para o jantar, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) já resumira o sentimento de indignação com as declarações tucano-pefelistas. Mas o partido não deve ficar só na reação verbal. Paulo Frateschi, presidente do diretório paulista da legenda anunciou a intenção de processar Bornhausen e Serra.

Ele informou que o PT ingressará com uma "notícia crime" junto ao procurador regional eleitoral por difamação e difusão de fatos inverídicos por parte de Serra. "Fundamental é que se combata o crime organizado e se devolva a paz e a tranqüilidade ao povo de São Paulo."

Recordando o caso Abílio Diniz

Esta não é a primeira vez que a direita usa o jogo sujo para manchar a imagem do Partido dos Trabalhadores. Em 1989, durante a eleição presidencial daquele ano, o seqüestro do empresário Abílio Diniz, um dos mais ricos do país, foi desvendado no dia da votação, dividindo o espaço dos jornais com o fato de maior importância da história recente do país, em que se defrontavam um candidato de direita e um de esquerda. Até aí haveria uma submissão. Mas o fato de que os seqüestradores usavam camisetas do PT, o partido do candidato de esquerda, gerou uma associação imediata entre o seqüestro e a esquerda. Soube-se mais tarde que policiais obrigaram os seqüestradores a vestir a camiseta do PT.

Em outro episódio de descarada calúnia, a revista Veja estampou na capa de segunda edição de março de 2005 uma matéria insinuando que o Partido dos Trabalhador recebeu 5 milhões de dólares das FARC para a campanha eleitoral de 2002. A revista usou documentos retirados da Abin como fonte da reportagem, mas a própria revista registrou que não havia prova alguma da veracidade das informações que estava publicando. Mesmo assim colocou o assunto como chamada principal de capa.

Depois, a mesma revista inventou uma história sobre dólares cubanos que, escondidos em caixas de bebidas, teriam também financiado a campanha do presidente Lula.
Em todas estas ocasiões, a direita foi à imprensa respaldar as acusações fantasiosas contra o PT. Agora, repete a dose, mas “faz o serviço” diretamente, sem nem esperar a ajuda da revista Veja. Aliás, não será nenhuma surpresa se a revista trouxer em sua próxima edição alguma matéria respaldando as insinuações levianas feitas por Serra, Borhausen et caverna.

Da redação,
Cláudio Gonzalez

segunda-feira, julho 03, 2006


AS DUAS DERROTAS DO BRASIL

A seleção brasileira de futebol perdeu e o Brasil, como país, perdeu. Não porque não ganhamos a Copa. O Brasil jogou cerca de 7 horas e meia, tivemos que agüentar 700 horas de comentários repetitivos e inócuos que tinham que respeitar contratos de publicidade e mascarar o nosso péssimo time.
Emir Sader

Nos empanturraram com a Copa do Mundo, com coberturas que começaram meses antes, com jornalistas comentando o nada muitas semanas antes, com o recorde mundial de jornalistas por país cobrindo uma Copa do Mundo, como se nossa imprensa tivesse muitos correspondentes normalmente pelo mundo agora, com excelentes analistas gastando seu verbo com quase nada, com milionárias publicidades, nos venderam muitos mitos, o comércio achou que ia faturar muito, ficou na saudade. Veríssimo, João Ubaldo e outros foram mobilizados para a Copa, como se fosse o primeiro grande evento do novo Milênio. Nos saturaram tanto, que até o Veríssimo parecia chato, sem assunto, sem inspiração. Agora, que dêem licença para falar um dos que fomos vítimas de tudo isso.

O Brasil foi desclassificado, justamente desclassificado, saiu da copa sem pena, nem glória. Nos deram explicações para isso? Nenhuma. Afinal, temos os melhores jogadores do mundo, um quarteto mágico, um banco extraordinário, o melhor jogador do mundo – a discussão era se se aproximaria de Pelé, porque já havia passado de galopinho por Maradona -, o melhor jogador em atividade na França, entre outras tantas coisas, que faziam do Brasil o melhor futebol do mundo.

Não faz mal que não tínhamos conjunto nenhum, que o Ronaldo estava tão gordo quanto o Bussunda, a genialidade individual dos nossos craques resolveria tudo, mesmo que no finalzinho. Como tínhamos quatro atacantes geniais – há quanto tempo Ronaldo deixou de ser genial, apesar de ser ainda chamado de “Ronaldo Fenômeno” (sic) -, bastava que um ou dois deles jogassem bem, para que garantíssemos dois gols, aí era agüentar atrás e ganhar. E se empatassem, o Juninho Pernambucano desempataria em gol de falta (já que já anos o Roberto Carlos não acerta mais o gol em falta e o próprio Ronaldinho Gaúcho não faz gol pela seleção há mais de um ano.)

Para o Brasil, tudo acabava dando certo no final. Afinal, Adriano fez aquele gol no finalzinho, contra a Argentina, na Copa das Nações e demos a volta por cima na disputa por pênaltis, cumprindo nossa sina de ser sermos campeões, pela benção da raça superior futebolisticamente, mesmo quando “gigantes adormecidos”. Uma hora despertaríamos – se dizia que em conversas com nossos jogadores antes do jogo com a França, havia uma excelente disposição (como se faltasse apenas isto) para finalmente fazer um grande jogo – e ganharíamos de novo. Quando o Ronaldo fez dois gols, achou-se que finalmente havia retomado sua forma, sem se darem conta que era um parêntese em um longo processo de decadência, que dura anos.

Somente algum complô, mediado por arbitragem, poderia nos tirar o caneco de novo. Já éramos favoritos antecipados para a Copa da África do Sul e do Brasil, daí a eventualidade do complô. Nos esquecemos um pouco do que acontece no campo, no meio de campo, na defesa (se era o melhor setor do time, não seria porque estava segurando o rojão de um time que não funcionava do meio de campo pra frente?), no meio de campo, no ataque.

Afinal de contas não vínhamos de três vitórias aparentemente inquestionáveis? A Copa América, a Copa das Nações e a fase classificatória para o Mundial? Não importa que tínhamos jogado mal, que tínhamos perdido do Equador, de três da Argentina, que tínhamos empatado jogos fáceis em casa. Bastava que a genialidade dos nossos craques – aqueles da publicidade do Banco Santander – saísse da sua modorra – não iam gastar suas genialidades com o Japão e Gana, guardavam sua caixa de maldades para adversários mais qualificados -, para que voltássemos pra casa – aliás, para a Espanha, a França, a Alemanha, a Itália, onde jogam quase todos eles – com o caneco, pela sexta vez.

Não nos disseram quando o Brasil fez o último jogo bom. Na Copa das Nações, os dois últimos, contra a Alemanha e a Argentina. Antes havíamos perdido até do México e entramos naquela ladainha de que “não existem mais bobos no futebol”. Então podíamos perder do fraco futebol mexicano, eram eles que tinham melhorado, não éramos nós que tínhamos piorado.

Se essas armadilhas, esses lapsos muito significativos, esse clima falso fossem apenas produzidos pela TV Globo, se entenderia, pelos milionários contratos de publicidade, além de se assumir como a “cara do Brasil” - que eles recriam no imaginário das pessoas e depois faturam em cima disso. Mas que Tostão, José Trajano, Fernando Calazans, Juca Kfouri, Soninha, entre tantos outros jornalistas – que fizeram a melhor cobertura da Copa - que têm uma visão crítica da mercantilização que se expande por todas as nossas sociedades, em praticamente todos os seus rincões, de forma avassaladora, é muito preocupante. Há algo mais profundo de equivocado nos mecanismos de cobertura jornalística, que impede que o essencial seja calado, que se participe de um clima que precisa mobilizar os espectadores, porque há publicidades em jogo, há índices de audiência, há tantas coisas que têm a ver com o financiamento mercantil dos grandes meios de comunicação.

O Brasil perdeu no primeiro jogo em que enfrentou um adversário minimamente à altura, embora ainda mais velho na média de idade e saiu da Copa nas oitavas de finais. Ficou entre os 8 melhores do mundo. Mas foi dominado, perdeu o meio-de-campo nos jogos anteriores, tendo Ronaldinho Gaúcho, Zé Roberto, Gilberto Silva, Emerson, Kaká, Juninho Pernambucano, Ricardinho. Era claro que estava às vésperas de ser eliminado. Jogou contra a França com as mesmas debilidades dos jogos anteriores. Perdeu, sem pena, em glória. No seu conjunto o time jogou muito menos do que a escalação podia prever. Claro que tem a ver com a incompetência do técnico, que têm que fazer com que a soma das partes seja maior do que o todo e não flagrantemente menor e pior, como o Brasil foi em todos os jogos amistosos prévios à Copa – desculpados com aquela história do genial Didi, de que “treino é treino, jogo é jogo”, jogamos tão mal nos jogos da Copa do Mundo quanto nos amistosos e nos treinamentos – e durante os quatro jogos da Copa.

A seleção brasileira de futebol perdeu e o Brasil, como país, perdeu. Não porque não ganhamos a Copa, mas porque se montou uma imensa operação publicitária – que foi da campanha do Santander se atribuindo ter sido “escolhido (por quem?) o melhor banco do mundo”, até toda a parafernália de bugigangas e camisas modelo 2006 caríssimas, passando pela cobertura de imprensa. O Brasil jogou cerca de 7 horas e meia, tivemos que agüentar 700 horas de comentários, repetitivos, inócuos, pouco explicativos, mas que tinham que ocupar horários, respeitar contratos de publicidade privada, preencher vazios de tempo, gerar expectativas horas antes de cada jogo, mascarar o péssimo time do Brasil, para justificar as campanhas publicitárias e o imenso gasto de dinheiro para mandar a maior delegação de jornalistas do mundo mandada à Alemanha.

Perdeu o Brasil porque ao invés de desmascarar o caráter mercantil que toma conta do futebol, não contamos com cobertura de TVs públicas, que pudessem estar livres dessas pragas, pudessem dar um tom distinto à cobertura e inclusive denunciar a falta de caráter pública dos eventos, da cobertura da imprensa, dos clubes – invadidos pela mercantilização da “profissionalização” e das federações e confederações. Tomara que as decisões sobre TV digital tragam de fato a possibilidade de termos mais umas 4 cadeias de TVs públicas, que elas tenham muito mais recursos – só possível com os orçamentos participativos, para que não sejam afogadas como acontece com a TV Cultura – e tenhamos cobertura que digam a verdade – sobre o futebol e sobre sua mercantilização, que invade as próprias coberturas jornalísticas.

Emir Sader é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de “A vingança da História".