segunda-feira, maio 29, 2006


Por que Lula resiste

As pesquisas vão, as pesquisas vêm. A malta conservadora late. Mas a caravana Lula passa, com aprovações em alta. Por quê?

Flávio Aguiar

Há um link entre o presidente Lula e a maioria do povo brasileiro que o ataque cerrado das oposições e de jornalistas conservadores na mídia não conseguiu abalar, muito menos desfazer. As tentativas de desestabilizá-lo são evidentes, falando-se até na possibilidade de impeachment. Mas a popularidade do presidente não cai. Ou se cai em breves momentos, se recupera a seguir.

Em recente declaração (http://terramagazine.terra.com.br/interna/) o diretor do Ibope Augusto Montenegro ressaltou:

“Há quase onze meses Lula e seu governo sofrem uma investigação midiática incomparável em relação a outros presidentes do Brasil”.

Mas acrescenta que entre as causas da sustentação de Lula está o simbolismo de sua história pessoal:

“Ele criou a maior central sindical da América Latina, um dos maiores partidos da mesma região, e vindo das camadas mais pobres, de uma família de pau-de-arara, se tornou presidente. O simbolismo disso é poderosíssimo e nem sempre pode ser medido em toda a sua extensão. Quando ele entrou na carruagem da Rainha da Inglaterra, todo esse povo, o Nordeste inteiro, entrou com ele”.

Na mesma reportagem, diz Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi:“O lulista, o lulismo, é um retrato quase exato da população brasileira; se parece, com algumas exceções, a um corte transversal da sociedade brasileira”.

Traduzindo: Lula tem cara, jeito de povo. Por isso é aceito por uns, e é detestado por outros, os que acham que política é coisa só para gente graúda.

Lula passa a imagem de um homem sincero, bem intencionado, esforçado, ainda que por vezes inexperiente. Mas a imagem de completo despreparo para a presidência, que os conservadores tentaram e ainda tentam grudar nele, não colou.

De qualquer modo, em meio à torrente de acusações sobre corrupção contra seu governo e o PT, sua imagem foi de fato preservada. As acusações não o atingiram.

Também não parece ter dado resultado o argumento de que o petismo teria inaugurado um sistema de corrupção inédito no Brasil; a maioria do povo acha que a corrupção existe sim, mas que ela vem de longe.Entretanto só uma história forte, ou apenas o fato das acusações não terem atingido o presidente, não justificariam a manutenção da popularidade do presidente. A maioria do povo tem uma percepção positiva das políticas e dos programas sociais iniciados ou intensificados pelo governo Lula e também do seu conjunto. Programas como o Bolsa Família, o Fome Zero, as Farmácias Populares (que barateiam muito o custo dos remédios de doenças crônicas), o Brasil Alfabetizado, o Luz para Todos, a Reforma Agrária, o Computador para Todos são pelo menos bem conhecidos pela população, e muitos deles são bem avaliados.

Outros, como o Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), o Prouni (para facilitar o acesso de jovens carentes à universidade), são bem conhecidos pelo menos pelas populações que deles necessitam. Outras ações do governo também garantem essa popularidade que até mesmo seus adversários são forçados a reconhecer. Entre elas está o estímulo à carteira assinada das empregadas domésticas; também o crédito para a casa própria, aliado à redução dos preços do material de construção.

Certos programas ganharam popularidade junto a populações específicas, como o da melhora no cadastramento de pescadores, por exemplo.Essas ações impressionam pelo seu conjunto, e também por terem melhorado muito quanto à eficiência, com cadastramentos unificados, embora nisso, como em muitas áreas, ainda haja muito por fazer. Entre as iniciativas mais recentes, a proposta de ampliação do Farmácia Popular chamou a atenção, pois faz muita diferença para os orçamentos familiares baratear o custo de um remédio que se deve comprar todo mês.

POR QUE RESISTIR COM LULA: O SALÁRIO MÍNIMO

O aumento do salário mínimo (que no mês de abril passou de R$ 300,00 para 350,00, num reajuste de 16,67%) ganhou atenção na imprensa, no rádio e na TV recentemente. Muitos economistas conservadores alertavam com temor que isso causaria inflação. Não foi o caso.

Mas tem mais. Visto de modo isolado, o aumento do salário mínimo parece menor do que na realidade é. Seus efeitos para a maioria do povo, na economia e para a diminuição da desigualdade são muito grandes, tanto no curto como no longo prazo.

Os benefícios imediatos são de porte.

O jornal O Liberal on line (www.oliberal.com.br), de Belém do Pará, em 30/04, chamava a atenção: 23,4 milhões de trabalhadores da ativa recebem até um salário mínimo, mais 16,6 milhões de aposentados. E 24,1 milhões recebem entre 1 e 2 mínimos. Para esses, o aumento é automático. Citando dados do Dieese, a reportagem mostrava: o salário mínimo é o piso de 87 categorias entre 376 registradas: para elas, também o aumento é automático.

Conforme a região, o impacto positivo é maior ainda: no Nordeste, 82% dos trabalhadores ganham até dois salários mínimos. Na região Norte, são 71% da mão de obra ativa.

No país inteiro, cerca de 5 milhões de trabalhadores recebem seguro desemprego, cujo valor, também reajustado automaticamente, tem média em torno de 1,4 salário mínimo.

Ainda segundo o Dieese, esse aumento do mínimo vai representar uma injeção na economia de R$ 25,5 bilhões em um ano, valor que será empregado, sobretudo, em comprar os “bens de salário”: alimentos, vestuário e remédios, ajudando a ativar o mercado interno. Desses 25,5 bilhões, 6% serão injetados na região Norte, 6,5% no Centro-Oeste, 11,5% no Sul, 31% no Sudeste e 45% no Nordeste.

Mais dinheiro nas mãos e compras do povo, melhor arrecadação pública: esta deve crescer em torno de R$ 6,2 bilhões, podendo ajudar, se bem aplicada, em novos programas sociais.

A recuperação do salário mínimo já vinha de antes. Um efeito interessante do aquecimento que isso representa foi citado por César Borges de Sousa, vice-presidente da Caramuru Alimentos, apresentada no jornal Tribuna do Norte, de Natal (www.tribunadonorte.com.br), como a maior processadora de grãos de capital nacional, com um faturamento anual de R$ 1,5 bilhão. Nos meses de janeiro, fevereiro e março deste ano as vendas de pré-cozidos, óleos e farinhas aumentaram de 10 a 16% em relação ao mesmo período no ano passado. Mantendo-se a tendência, as vendas no mercado interno devem representar em 2006 65% do faturamento da empresa, contra 60% em 2005.

Segundo o jornal, a Associação Brasileira de Indústria de Higiene Pessoal já registrou um aumento, nesse período, de em média 16% em relação ao do ano passado.

Quer dizer: uma política vigorosa de recuperação do valor do salário mínimo, ao invés de criar instabilidade, cria uma cadeia virtuosa de reações benéficas. Por exemplo, há estados brasileiros que têm salários mínimos próprios, acima da referência nacional, o que a legislação permite. Em 03/05 o Maringá News, on line, anunciava que o salário mínimo do Paraná, aprovado na Assembléia Legislativa e o maior do país, passou para R$ 437,80. O do Rio Grande do Sul foi para R$ 435,00 e o do Rio de Janeiro para R$ 422,72. No Paraná a expectativa é de que o novo mínimo injete na economia entre R$ 46 e 66 milhões.

MUITO POR FAZER

A recuperação do valor do salário mínimo vem de antes, mas entre 2003 e 2006 ela representou um crescimento de 75% no valor numérico do salário. Descontada a inflação, isso significa um aumento real de 25,3%. Essa tendência cria um clima favorável também para a negociação de categorias que recebem mais do que o mínimo. Segundo o Dieese, em 72% das negociações coletivas no país em 2005, os trabalhadores conseguiram reajustes acima da inflação apurada no período. Se o critério for o de manutenção do poder aquisitivo ou melhora, o percentual vai para 88% (dados da Agência Informes, de Brasília, debrasilia.com).

Mas ainda resta muito por fazer. Segundo dados do Dieese, o Produto Interno Bruto Brasileiro cresceu 5 vezes entre 1940 e 2004. Em compensação, o salário mínimo foi reduzido a um terço do que era nesse período. Ainda hoje, para se preservar o valor de 1940, o mínimo deveria ser de R$ 922,50. Mas para o Dieese o valor ideal para que um pai ou mãe de família pudesse manter a si e mais 3 pessoas ficaria em torno de R$ 1.500,00.

Segundo Ademir Figueiredo, coordenador de Estudos Desenvolvimento do Dieese (citado por Flávia Albuquerque na Agência Brasil em 04/05), “a instituição de uma política de valorização do salário mínimo é a principal maneira de combater a desigualdade social no país”. Por isso, ressalta, é fundamental continuar o trabalho da Comissão Quadripartite, criada pelo governo Lula, reunindo governo, empresários, aposentados e trabalhadores da ativa, “para a formulação de uma política permanente de valorização do salário mínimo”.

Ou seja, o caso do mínimo demonstra, além de um empenho por parte do governo Lula para com a recuperação do seu valor, ainda que a distância a percorrer até um valor razoável ainda seja grande, ele também agiu no sentido de capacitar o Estado para atender de modo negociado os interesses das populações que dependem dos seus reajustes anuais.

O Estado brasileiro nunca foi capacitado para atender de modo digno essas populações. Tão importante quanto combater a corrupção é capacitá-lo a agir dessa forma, abrindo suas agências e conselhos à participação mais intensa dos trabalhadores, coisa que o governo Lula vem fazendo.Por isso, entre outras razões, a popularidade do presidente resiste. E por isso, pelo muito que ainda há por fazer, é necessário resistir com Lula.

Flávio Aguiar é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e editor da TV Carta Maior.

quarta-feira, maio 24, 2006

Carta para Mirim Leitão da Assoc. dos Engenheiros da Petrobrás

Minha querida Míriam Leitão,

O culpado disso tudo se chama Fernando Henrique Cardoso que deslanchou o famigerado Projeto do Gasoduto Bolívia-Brasil, que vinha sendo postergado pelos militares há décadas, não sem razão, pois o risco-país, que é o que estamos vivendo hoje, era muito alto.

O corpo técnico da Petrobrás se opunha a este projeto. Na época, vocês da Globo, de braços dados com o corrupto do Collor, chamavam a Petrobrás de corporativista, reduto de marajás, etc. Mas a empresa tinha razão. Não precisávamos deste gás caro. Tínhamos e temos excesso de óleo combustível BTE (baixo teor de enxofre), o melhor do mundo! Mas tivemos que criar artificialmente mercado para este gás natural importado a preços altíssimos, já na época da assinatura dos contratos (1997).
O projeto foi desenvolvido na subsidiária Petrofértil (empresa de fertilizantes destruída pelo Collor), que então passou a se chamar Gaspetro. Seu Vice-Presidente Menezes (posteriormente veio a ser Diretor da Petrobrás por seus `serviços prestados` ao Governo FHC) tinha linha direta
com o Presidente da República (FHC), pois este projeto era um dos constantes no programa Brasil em Ação, e o Menezes tinha carta branca para assinar compromissos em nome da Petrobrás. Quando este projeto, já com todos os compromissos sacramentados, foi transferido para a Petrobrás, eu tive a infelicidade de ser a técnica designada, pela recém-criada Gerência de Gás (GEGAS), no Abastecimento, para avaliar o projeto.

Na época o nosso Gerente era o Paulo Roberto Costa, hoje Diretor de Abastecimento da Petrobrás, de quem tive a hora de ser Assistente Chefe de Gabinete até minha aposentadoria. A minha avaliação apontava para riscos
que levariam a perdas enormes pela Petrobrás, coisa de alguns bilhões de dólares. Para se ter apenas uma idéia, a Petrobrás, através da Gaspetro, que agia em nome da Petrobrás, assumiu 84% dos investimentos na transportadora do lado boliviano, GTB, para ter APENAS 9% de participação
acionária naquela transportadora, onde fui posteriormente membro do Conselho de Administração por dois anos. Ora, não se precisa ser nenhum gênio para verificar que aí tem maracutáia. Como se coloca 84% dos investimentos em troca apenas de 9% de participação acionária?? Quem ganhou
com isso? Resp: Empresas `pobrecitas` como Enron, Shell e BG.

Em 1999, fiz um relatório expondo à então Diretoria da Gaspetro os riscos que estávamos correndo, pois as antigas exploradoras, como Chaco,BG, Amoco, estavam fazendo uma verdadeira campanha, através da mídia, contra a Petrobrás, que só entrou na exploração de gás e condensado na Bolívia, após a lei modificando os `royalties`. A Bolívia reduziu, por lei, os royalties, de 51% para 18%, para novas explorações. Isto porque, quando a Petrobrás, forçada pelo governo FHC, através da subsidiária Gaspetro (note-se que a
Gaspetro podia assinar qualquer coisa em nome da Petrobrás relacionada a este projeto sem passar pelo crivo da Diretoria da Petrobrás), assinou os contratos de compra de até 30 milhões de metros cúbicos de gás por dia, era
sabido que a Bolívia, até então, só tinha reservas descobertas que garantiam 16 milhões de metros cúbicos por dia. Ou seja, o inconseqüente do FHC fez com que nossa maior empresa se comprometesse a comprar 30 milhões de metros cúbitos de onde não havia reservas e para onde não havia mercado!!!

Espero que vocês, como seres humanos, possam avaliar, a despeito de ideologias políticas e de uma forma justa, o que representaram as decisões tomadas inconseqüentemente no governo FHC. Considero a empresa em que trabalham corrupta e a serviço do grande capital. Espero que vocês, como pessoas, possam ser mais grandiosas que isso. Coloco-me a seu dispor para esclarecimentos adicionais e apresentação de provas do que digo. Por um Brasil melhor e para todos!

Cordialmente,

domingo, maio 21, 2006

Diretrizes para a Elaboração do Programa de Governo do Partido dos Trabalhadores

(Eleição presidencial de 2006)


1. A eleição presidencial de 2006 ocorrerá em um contexto totalmente distinto dos anos 1989, 1994, 1998 e 2002. O PT disputará o próximo pleito não mais como oposição, mas como partido que integra e encabeça a coalizão de forças políticas que atualmente governa o Brasil. Temos hoje maior conhecimento e experiência do Estado, importante para melhor definir diretrizes programáticas futuras. Mas é necessário também fazer um balanço das realizações deste Governo e das limitações que precisam ser superadas em um segundo mandato. Este balanço é fundamental para dar credibilidade a nossas propostas programáticas. Deve sintetizar medidas de transição de um primeiro para um segundo mandato, sem grande parte das limitações impostas pela herança recebida em 2002. Deve resgatar finalmente as esperanças de constituição de um Governo Democrático e Popular.

2. O Governo Lula se constituiu em meio a uma grave crise do capitalismo brasileiro. Crise estrutural, pois durante décadas o processo econômico, social e político brasileiro esteve marcado por profundas contradições: estagnação ou crescimento econômico socialmente excludente; concentração de poder durante as ditaduras ou mesmo nos de democracia mitigada; dependência que comprometeu a soberania nacional. Crise conjuntural, pois na década dos 90 a aplicação de um receituário econômico conservador, de inspiração neo-liberal, freou o crescimento, concentrou renda e riqueza, debilitou o Estado, afetou o equilíbrio regional, fragilizou a segurança energética, comprometeu a soberania nacional. Mesmo a estabilidade, que tanto alardeou buscar o Governo FHC, não foi alcançada, nem no terreno macro-econômico, nem no âmbito estritamente monetário. Ao contrário, findos os oito anos FHC, o Governo Lula herdou pesada herança: reinício de um ciclo inflacionário, elevadas taxas de juros, descontrole cambial, aumento exponencial da relação entre dívida interna e PIB, baixa credibilidade internacional e forte vulnerabilidade externa, desorganização dos serviços públicos, criminalização das oposições, em especial dos movimentos sociais e sistemáticas tentativas de desqualificação das forças de oposição.

3. O Brasil herdado por Lula era um país marcado por uma gravíssima crise social e muito dependente dos movimentos erráticos do capital especulativo nacional e internacional, submetido às regras do FMI, com escassas reservas cambiais, ameaçado por uma moratória, amedrontado pela possibilidade de repetição aqui da crise que se havia abatido pouco antes sobre a Argentina. Graças a uma política externa soberana de aproximação com os países do Sul, o Governo Lula conseguiu reverter a Balança Comercial e o Balanço de Pagamentos, tornando o Brasil superavitário em moedas fortes, o que lhe permitiu amortizar parte da dívida externa, inclusive a contraída com o FMI.

4. Em pouco mais de três anos, essa tendência começou a ser revertida. A ação do Governo Lula evitou a catástrofe. A economia ainda não retomou o crescimento esperado pelos que elegeram Lula em 2002 e desejado pelo próprio Governo. Mas a inflação foi contida e revertida. Iniciou-se um processo de distribuição de renda, que se expressa no aumento do rendimento dos trabalhadores, em especial do salário mínimo, na queda do custo da cesta básica em relação ao nível geral dos preços, na redução da pobreza, como atesta a última PNAD, no aumento do ingresso dos trabalhadores no mercado formal. O país está menos vulnerável do ponto de vista internacional, graças em parte ao extraordinário crescimento e diversificação do comércio internacional. O déficit em conta-corrente do Balanço de Pagamento se transformou em superávit. Diminuiu a dívida externa e alongou-se seu perfil. A dívida interna foi praticamente desdolarizada e sua relação com o PIB reduzida. O país não renovou o acordo com o Fundo Monetário Internacional e pode prescindir de seu monitoramento.
5. O caminho adotado para fazer o ajuste da economia, ao exigir a limitação do gasto público e o contingenciamento da execução orçamentária para elevar o superávit primário, impôs limites aos investimentos, às políticas de redução da pobreza e de redistribuição de renda. Isso não impediu, no entanto, avanços importantes no plano social. Houve diminuição significativa do desemprego, formalização do mercado de trabalho, forte expansão do salário mínimo, progresso efetivo na reforma agrária. Todas essas conquistas o Governo compartilha com os movimentos sindical e popular, com os quais manteve interlocução permanente. O Programa Fome Zero e, dentro dele, em especial, o Bolsa Família, permitiu que, até agora, mais de 30 milhões de brasileiros pudessem se beneficiar desse mecanismo de transferência de renda. Mesmo tendo impacto menor do que políticas sociais como o SUS e a Previdência Social, a Bolsa Família constitui importante instrumento que de distribuição de renda. Além de suas conseqüências sociais no plano da saúde e da educação, a Bolsa Família revelou-se meio eficaz para dinamizar a constituição de um grande um mercado de bens de consumo de massas. Trata-se de importante instrumento econômico que confere às famílias em situação de emergência social um direito claramente definido em lei, administrado em forma isenta pela Governo Federal em cooperação com estados e municípios. Pode ser visto como passo importante na implantação gradual da Renda Básica de Cidadania (Lei 10.835/04) sancionada pelo Presidente Lula. Soma-se a essas iniciativas, a expansão do crédito popular, cuja consistência a médio prazo depende da retomada do crescimento e do emprego.

6. Foi necessário desencadear um processo de reconstrução do Estado, enfraquecido por forte crise fiscal, por privatizações, terceirização de seu pessoal, pelo caráter conservador das políticas públicas anteriormente postas em prática. Deu-se um enfrentamento racional e corajoso das questões energéticas, dos temas do meio ambiente, das desigualdades regionais, sobretudo no que se refere ao Nordeste. Sentaram-se as bases para uma efetiva recuperação da infra-estrutura nacional, combalida por décadas de descaso. Uma nova política industrial e de ciência e tecnologia, abriu perspectivas para efetiva modernização do país. Ela vai acompanhada da revalorização e democratização da universidade brasileira, de que são testemunhas sua expansão e os aumentos de salários e os investimentos nas áreas de pesquisa.

7. A despeito dos ataques e denúncias da oposição, o Governo Lula respeita e promove em nosso país a democracia, as instituições republicanas e os direitos humanos. Implementou inúmeras iniciativas de combate ao racismo e defesa dos direitos das mulheres. A imprensa não sofreu nem sofre qualquer restrição, mesmo quando setores dela operam com indisfarçável parcialidade. Diferentemente do passado, Comissões Parlamentares de Inquérito examinam todas as denúncias que surgiram. O Poder Judiciário cumpre seu papel e instituições como a Polícia Federal, o Ministério Público e a Ouvidoria têm realizado exemplar trabalho de investigação de delitos, sejam os acusados de partidos da base governamental ou da oposição. Parte importante das denúncias que o Legislativo investiga foram apuradas pela Polícia Federal. O Governo esteve na origem de importantes iniciativas votadas pelo Congresso como a reforma do Judiciário, a lei que combate a violência doméstica, que abre os arquivos da ditadura militar. Além disso estabeleceu-se nova relação da União com estados e municípios, que puderam beneficiar-se, sem discriminação partidária de qualquer tipo das políticas sociais e de combate à violência implementadas pelo Governo Federal

8. Finalmente, o país passou a ocupar internacionalmente o lugar que lhe corresponde e que os brasileiros exigiam. Uma política externa ativa e altiva, devolveu-nos o sentido da soberania. Sem confrontações ideológicas e enfrentamentos desnecessários, o Brasil assumiu papel importante nas grandes questões internacionais – econômico-financeiras, comerciais, da reorganização das Nações Unidas ou do combate à fome e à pobreza - pregando a paz, o respeito ao Direito, o fim das desigualdades econômicas e sociais entre as nações e o multilateralismo. Aproximamo-nos da África, continente com o qual temos dívida históricas. Estabelecemos diálogo importante com o mundo árabe. Impulsionamos um eixo Sul-Sul, ao definir fortes relações com a África do Sul, Índia, China e Rússia. Mas, sobretudo, levamos adiante consistente processo de integração na América do Sul, reforçando o Mercosul, participando ativamente da criação da Comunidade Sul-americana de Nações e estendendo nossa presença em toda a América Latina e Caribe.

9. O Programa para as eleições de 2006 tem dois pontos de partida: por um lado, as realizações do Governo Lula, que o colocam muito à frente dos últimos governos, sobretudo do de FHC. Por outro lado, nosso objetivo de construir um Brasil democrático e popular, liberto da dependência externa, com soberania nacional e igualdade social. Não se trata, porém, de ficar preso à comparação com o medíocre governo FHC. Nem, tampouco, de propor uma simples continuidade do até aqui realizado. O fundamental é afirmar a validade e a atualidade de uma transição de um velho Brasil, para um novo projeto nacional de desenvolvimento, que harmonize o econômico e o social, impulsionando as potencialidades locais produtivas e sociais, capaz de avançar mais rapidamente em direção a um ciclo de crescimento acelerado, fundado na distribuição de renda, macroeconomicamente sustentado, com mínima vulnerabilidade externa a realizar-se em um marco de expansão da democracia e da solidariedade continental. Esse modelo resgata a esperança desatada pela candidatura Lula em 2002 e pelos 26 anos da história do PT. A realização desses objetivos não é um simples ato de vontade política. Exige enfrentar e mudar uma correlação de forças desfavorável - nacional e internacionalmente -, dar passos seguros para superar a grande tragédia que são a desigualdade e a exclusão que marcam secularmente nosso país. Exigirá reformas sociais e políticas capazes de vencer a inércia burocrática e conservadora de nossas instituições. Mas, sobretudo, dependerá dos avanços na democratização do Estado brasileiro e da intensa participação da sociedade, construindo novas bases para a governabilidade, expandindo a cidadania, a participação popular e o protagonismo das entidades representativas dos trabalhadores e dos movimentos sociais, afirmando a soberania nacional e promovendo integração regional.

10. O Programa de Governo 2006 não se confunde com o Programa do Partido, que o Congresso do PT irá (re)definir em 2007, nem com as Diretrizes aprovadas pelo 13o. Encontro Nacional do PT. Tampouco o debate sobre as Diretrizes esgota o processo de balanço do governo Lula e das opções feitas pelo PT em 2003-2006, debate que terá seu momento de conclusão no III Congresso do Partido. O Programa de Governo tem sua especificidade. Deve expressar, no processo eleitoral, a opinião de um conjunto de forças políticas de esquerda e democráticas comprometidas com transformações importantes de nossa economia, sociedade e instituições políticas. Busca ir além dos partidos, traduzindo a vontade de mudança de amplos setores da sociedade brasileira. Mais do que isso: tendo em vista as resistências que ele enfrenta, só será factível se a sociedade mobilizar-se para sua implementação. O socialismo petista – nosso horizonte estratégico – é uma construção histórica e não um objetivo abstrato a ser atingido. O PG-2006 - sua formulação e implementação - tem de estar em sintonia com nossa visão mais ampla sobre o futuro do Brasil.

11. A credibilidade do Programa depende não só do balanço do Governo e da relação entre o que foi até agora realizado e o futuro. Depende também da capacidade do Governo de transformar muitas de suas metas em iniciativas concretas, ainda em 2006. Nesse sentido, o último ano deste Governo deve ser entendido como o primeiro ano do próximo. Os resultados concretos da ação governamental que estão aparecendo nestes primeiros meses de 2006 – e que são claramente percebidos pela sociedade brasileira - mostram que uma nova dinâmica está se impondo.

12. Não basta celebrar as realizações do Governo e oferecer uma mera perspectiva de continuidade. Será necessário, em primeiro lugar, um balanço franco do Governo. Em segundo lugar, é importante que o programa mostre o até agora realizado como base para avançar na direção das mudanças que mobilizaram os eleitores em 2002. Contra o discurso da “decepção”, que a direita tenta disseminar e impor, trata-se de buscar o reencontro com a “esperança”. Isso exige uma inflexão no discurso do Governo, capaz de traduzir em outra linguagem os avanços alcançados. A presença na equipe econômica de quadros vinculados ao pensamento hegemônico no governo anterior, deu em muitos momentos um viés conservador ao discurso governamental, que foi ampliado por alguns meios de comunicação O objetivo era reduzir a política econômica às iniciativas nos campos monetário e fiscal, apresentando-a como continuidade do governo FHC. Como a política monetária supunha a adoção de medidas impopulares, nos vimos diante de um problema: o conflito com as expectativas de grande parcela das bases sociais do campo democrático e popular, hostis ao discurso emanado de parcela da equipe econômica. Na verdade, a política econômica do atual Governo não é continuidade daquela de FHC, como pretende a oposição e, candidamente, às vezes foi repetido por alguns membros no Governo. Estando o país à beira de grave crise, foi implementado um conjunto de medidas com o objetivo de evitar – como se conseguiu - uma catástrofe.
13. O Governo e o PT sofreram duro golpe no ano de 2005. A direita reorganizou-se e soube aproveitar nossos erros para desfechar um ataque frontal, que tinha como programa máximo o impeachment de Lula e a ilegalidade do partido e, como programa mínimo, a derrota acachapante de ambos nas próximas eleições para, com isso, desmoralizar as esquerdas, “varrer por trinta anos esta raça”, com proclamou Konder Bornhausen.

14. Passado o impacto da derrota de 2002, a oposição se recompôs, sobretudo a partir do caso Valdomiro Diniz. Ao lado de um discurso sobre a ética republicana, para cuja autoria não tinha autoridade política ou moral, e que ganhou força em 2005, ela tentou sucessivamente caracterizar o Governo como “autoritário”, ou mesmo “totalitário”, “aparelhista”, desprovido de projeto nacional, buscando o poder pelo poder. Em sua ofensiva beneficiou-se dos erros políticos cometidos pela direção partidária e de desacertos do governo, especialmente em matéria de coordenação política e comunicação. O Partido não foi capaz de construir um discurso de apoio ao governo e, ao mesmo tempo, manter sua autonomia, indispensável num governo de coalizão. Não mobilizou a sociedade. Ademais, não percebeu a tempo que membros de sua direção haviam enveredado pelo caminho da aventura, tentando, de forma temerária, construir uma base de sustentação governamental e uma política de finanças com base em métodos que o PT sempre repudiou.

15. Nem o Partido, nem o Governo, tiveram percepção exata do ambiente conservador que se gestara no país nos últimos tempos e que se expressava em episódios como o do referendo sobre o desarmamento, no surgimento de uma ativa intelectualidade de direita, para só citar dois exemplos Mais do que isso, a ausência de um discurso à altura das expectativas populares e que correspondesse às transformações em curso fez com que a direita, até bem pouco combalida, conseguisse ocupar espaços vazios deixados pela esquerda. Isso implica em que o debate programático que se avizinha terá de ser também uma confrontação político-ideológica, um enfrentamento cultural capaz de desconstruir o discurso conservador e refazer uma alternativa progressista e popular. Significa, igualmente, que o PT terá de organizar um discurso didático que resgate o Governo Lula como superior ao de FHC mas, sobretudo, como capaz de dar um salto de qualidade em seu segundo mandato, a partir do trabalho realizado no primeiro. Esse discurso não deve escamotear as dificuldades objetivas que nos cercam; menos ainda nossos erros. Ele próprio é instrumento para vencer nossas limitações.

16. O Governo Lula iniciou a construção do que podemos chamar de "Estado de Bem Estar" no Brasil, após a onda de ataques ao emprego, às políticas sociais e aos direitos dos trabalhadores nos anos FHC. Os programas de transferência de renda têm forte impacto sobre a reativação da economia, transcendem o assistencialismo, mas o desafio para o segundo mandato é transformar esses programas em políticas sociais universais, tais como a Previdência Social e o SUS mais adequados ao nosso país que se caracteriza por profundas desigualdades sociais. Contribuem também para a inclusão social o forte processo de bancarização, o micro-crédito, o crédito consignado e o Luz para Todos. Na educação, a aprovação do FUNDEB abre novas perspectivas para o ensino médio, dando-lhe a qualidade que ele hoje não possui. Foram criadas novas universidade e novos campi em universidades existentes. O Pro-Uni contribui para esse esforço de democratização da Universidade incorporando setores até então fortemente excluídos do ensino superior por sua origem social ou étnica, com destaque para a implementação das políticas de cotas para negros e índios para acesso às universidades. Da mesma forma, avançou-se muito na universalização em matéria de saúde: o programa SAMU (atendimento de emergência) hoje serve 68 milhões de brasileiros, com mais serviços, contra 10 milhões em 2003; foi implantado o primeiro programa integral de saúde bucal, atendendo hoje 47 milhões de brasileiros, contra 26 milhões no início do Governo; o programa de saúde da família foi multiplicado em sua capacidade, hoje com 24 mil equipes espalhadas por todo o país.

17. Lula introduziu novas relações do Estado com o mundo do trabalho, contrastantes com as imagens do Governo FHC reprimindo os petroleiros e outros trabalhadores em greve. Não só houve o crescimento de cerca de dez vezes da taxa mensal de criação de empregos, como reverteu-se uma forte tendência de informalização do mercado de trabalho, além dos ganhos em matéria salarial. A imensa maioria dos dissídios propiciaram para os trabalhadores aumentos superiores à inflação. As políticas de emprego deverão no próximo Governo estar crescentemente marcadas por critérios de aproveitamento equânime em termos de raça, gênero e faixa etária, garantindo a ascensão de segmentos discriminados a todos os níveis hierárquicos do mundo do trabalho.

18. O PT reafirma sua convicção de que a questão agrária é parte fundamental de nosso projeto de desenvolvimento nacional, entendendo que deva ser tratada a partir do respeito à diversidade ambiental, étnica, de gênero e cultural, e possibilitando a necessária desconcentração fundiária em nosso país. No Governo Lula fortaleceu-se a agricultura familiar. Seu financiamento cresceu de 2,3 bilh5es de reais, em 2002, para 9 bilhões em 2006. Duzentas e sessenta e seis mil famílias foram assentadas em três anos, mais do que nos oitos anos do Governo anterior. O Governo Lula pretende, ate o fim deste ano, assentar as 400 mil famílias previstas. A área destinada a reforma agrária em três anos de Governo alcançou 22,5 milhões de hectares, muito mais do que nos oito anos anteriores. As famílias assentadas com assistência técnica chegaram a 450 mil no final de 2005, contra apenas 85.460 mil no ultimo ano do governo anterior. Foi de extrema importância a ação governamental que permitiu o resgate de terras para os Quilombolas. A Reforma Agrária ampla, massiva e de qualidade continua sendo a principal bandeira para os trabalhadores e trabalhadoras do campo, pois o Brasil ainda e um dos paises com maior concentração de terras, o que e a causa dos conflitos e da violência no campo. Comprometido com essa luta, o Partido dos Trabalhadores defende o fortalecimento da agricultura familiar e a ampliação da intervenção sobre a estrutura fundiária. O avanço da reforma agrária e da agricultura familiar demanda a atualização dos índices de produtividade, a ampliação das possibilidades de desapropriação, a verificação das dimensões ambiental e trabalhista da função social da propriedade. Exige ainda a construção de um novo padrão de organização econômica e social no campo, através da sua agro-industrialização, acompanhada de ações de reforço expressivo na alocação de recursos orçamentários e uma maior integração das políticas de acesso a direitos e de apoio a produção, agregação de valor e comercialização, criando assentamentos adequados a cada ecossistema brasileiro. Foi de extrema importância a ação governamental que permitiu o resgate dos Quilombolas, com a identificação de 1800 comunidades, habitadas por estas populações há mais de um século e que necessitam ter suas terras titularizadas. A criação da Secrtetaria Especial de Aqüicultura e Pesca possibilitou a milhares de pescadores receberem orientação e capacitação para acesso ao crédito, ao associativismo e a organização da cadeia produtiva., além de mecanismos de proteção social.

19. No que se refere ao Estado brasileiro abandonou-se a opção anterior pelo Estado mínimo, que privatizou empresas, terceirizou funções e instituiu mecanismos frágeis de regulação. Interrompeu-se o ciclo de privatizações, concursos recompuseram áreas fundamentais do serviço público. Foram retomados os investimentos no saneamento básico, tendo sido já contratados 6.2 bilhões de reais de serviços nesta área. Deu-se vigoroso impulso às grandes estatais A Petrobrás, a Caixa Econômica, o Banco do Brasil, o BNDES, a Infraero, para só citar algumas empresas, passaram a ter papel estruturante na reorganização do país, ao mesmo tempo em que exibem uma rentabilidade que nunca tiveram. Cai por terra a tentativa de atribuir ao Governo o “aparelhamento” do setor estatal. Pelo contrário: o desempenho positivo das estatais é produto da orientação política implementada a partir do Governo Lula.

20. Por intermédio de grandes conferências e consultas nacionais sobre o orçamento, saúde, campo, mundo do trabalho, mulheres, cultura, meio ambiente, políticas de promoção racial, economia solidária e tantos outros fóruns, foi possível fazer incidir sobre a agenda do Governo a opinião da sociedade organizada, diferentemente do que ocorreu no passado. Mas o Governo compareceu a esses foros com um amplo espectro de propostas. Essa interlocução Governo-sociedade foi de extrema importância para a consolidação e aprofundamento da democracia.

21. O investimento em pessoal e equipamento na Polícia Federal permitiu inéditos avanços no combate ao crime organizado. No plano da repressão às organizações criminosas que eliminam lideranças populares no campo e na cidade, iniciaram-se experiências de ação articulada do Governo com os movimentos sociais e de Direitos Humanos, envolvendo a Polícia Federal e outras instituições do Estado, visando um combate ao crime organizado com a participação da população. Medidas de transparência e sistemáticas auditorias foram organizadas pela Corregedoria Geral União, zelando pelo emprego adequado dos recursos públicos. É necessário reconhecer, no entanto, que o combate à corrupção sistêmica exige iniciativas de maior profundidade, em particular com o aumento da transparência pública e de formas de controle social – internas e externas -, tecnicamente equipadas, sobre todos os entes do Governo Federal.

22. Foi na relação do Estado com a gestão macro-econômica que nosso Governo encontrou maiores dificuldades de transitar para um outro paradigma. A “autonomia operacional” do Banco Central, maior do que em períodos anteriores, permitiu uma política monetária – revestida de um discurso conservador – que se chocou, mais de uma vez, com as bases sociais do Governo e com o próprio Governo.

23. A taxa de juros básica da economia, ainda que menor do que a média dos anos FHC, permaneceu elevada, com forte impacto no aumento da dívida pública e na dinâmica da economia, na medida que os elevados superávits primários, além das metas publicamente fixadas, subtraíram recursos para investimento e custeio, com conseqüências negativas para o desempenho do Governo. Taxas de juros elevadas foram as únicas soluções encontradas pelo BC para o necessário controle da inflação. As metas de inflação, por sua vez, foram definidas pelo Conselho Monetário Nacional, sem levar em conta opiniões vocalizadas pelos mais variados setores da sociedade, especialmente os trabalhadores e os empresários dos setores produtivos.

24. Assim, se a inflação foi controlada, se foi reduzida a relação dívida pública/PIB, se o crédito consignado permitiu acesso ao crédito com taxas diferenciadas, o crescimento da economia brasileira ficou aquém do crescimento médio das economias mundial, latino-americana e dos países emergentes. Restrições ao crescimento, cortes na execução orçamentária e inibição ao crédito para investimento e consumo a taxas compatíveis com o resto do mundo limitaram fortemente o positivo das políticas de emprego e renda do Governo Lula .

25. Tendo como objetivo conduzir a transição de um paradigma neo-liberal para outro padrão de desenvolvimento, a obra do Governo Lula é ainda parcial, desigual e incompleta. Foi insuficiente para mudar de conjunto a realidade social aflitiva do país. Condicionantes externos e internos do Governo foram sendo, no entanto, modificados. Apesar da crise vivida em 2005, o PT e os partidos de esquerda que apóiam o Governo continuam a ser referências para os movimentos sociais mais importantes do país. A presença de Lula na presidência do Brasil constitui um ponto de apoio para que se crie, na sociedade brasileira, uma cultura política que supere a hegemonia das elites na política brasileira.

26. Por isso tudo, a vitória de Lula e das forças populares em 2006 será um passo fundamental para dar novo impulso à mudança histórica anunciada em 2002, iniciada nos últimos três anos, e para cuja aceleração estão criadas condições excepcionais, dentre outros fatores pelas reformas até agora já realizadas. É necessário, assim, anunciar as grandes diretrizes do Programa de Governo 2006, que dará novo impulso ao processo em curso.

27. Crescimento. Crescimento. O Brasil crescerá em forma acelerada, em níveis superiores aos das duas últimas décadas, inclusive aos deste Governo. Esse crescimento é condição necessária, ainda que não suficiente, para atualizar a infra-estrutura, expandir e qualificar o parque produtivo e, sobretudo, resgatar a gigantesca dívida social que golpeia o país. Para esse crescimento sustentado se fazer viável, sem gerar surtos inflacionários de demanda, gargalos na infra-estrutura ou desequilíbrios ambientais irreversíveis, o Brasil terá de: (a) avançar na estrutura de financiamento do investimento produtivo, potenciando a ação combinada de vários bancos, especialmente dos públicos, e/ou estabelecendo regulações pactuadas que incentivem o retorno de capitais rentistas ou especulativos para a esfera da produção; (b) harmonizar o ritmo e o direcionamento dos investimentos produtivos com o potencial de expansão do fornecimento de insumos e serviços básicos, tais como energia, transportes e telecomunicações, bem como adequá-los à capacidade de suporte de cada um dos nossos diversos ecossistemas. Nesse processo será fundamental a ação de um Estado, democratizado e socialmente controlado.

28. Distribuir renda. O crescimento não pode ser apenas fator de distribuição de renda, mas também sua conseqüência. A inclusão social, o combate à pobreza, a distribuição de renda serão alcançadas com reformas econômicas e sociais. Entre estas reformas, há algumas (como a Reforma Agrária, a Reforma Urbana e a democratização da comunicação de massa) que abrem o caminho para uma mudança na estrutura de propriedade existente no país e que ajudam na constituição de um grande mercado de bens de consumo de massas. As políticas de transferência de renda por meio do Estado serão necessárias por muito tempo. Tenderão a perder seu peso, no entanto, na medida em que o Brasil avançar na constituição de um Estado de Bem Estar. No campo brasileiro, essa estratégia de desenvolvimento supõe aprofundar a reforma agrária com fortalecimento da agricultura familiar e a efetivação da demarcação das terras indígenas e quilombolas permitindo um desenvolvimento sustentável e respeitadas as particularidades culturais. Serão fundamentais a definição de metas sociais a serem alcançadas e o estabelecimento de mecanismos regulatórios de proteção aos micro, pequenos e médio empreendedores, intensificando o fomento ao desenvolvimento local endógeno, baseado nas potencialidades produtivas e sociais, tendo como modelo de organização produtiva empreendimentos associativos de economia solidária auto-geridos pelos trabalhadores/produtores, estimulando o cooperativismo, a autogestão e a participação dos trabalhadores na gestão micro e macro-econômica. O novo Governo prosseguirá em seu esforço de constituir uma economia solidária, estimulando o cooperativismo, a auto-gestão e a participação dos trabalhadores na gestão micro e macro-econômica. Da mesma forma, impõe-se a regulamentação do dispositivo constitucional que estabelece a função social da propriedade, o que se fará em perfeita consonância com os movimentos populares que lutam pela terra, pela moradia, pelo ambiente sustentável e contra a usura bancária.

29. Estabilidade macro-econômica. O esforço de estabilizar a economia deve ser conduzido de forma a cumprir os objetivos de crescimento e distribuição de renda. A melhor forma de reduzir a relação dívida/PIB é expandir o Produto Interno Bruto. O combate à inflação é fundamental. Pode ser feito através de um sistema de metas adequado aos imperativos do desenvolvimento, assim como pelos instrumentos postos à disposição do Estado e da sociedade democrática para estimular e regular a oferta de bens e serviços. O Banco Central, cuja ação tem um impacto decisivo sobre o conjunto do desempenho econômico-social do país, tem de adequar sua agenda ao conjunto dos interesses da sociedade. Além de ser o guardião da moeda, deve igualmente preocupar-se com o crescimento, o emprego, trabalho e renda e o bem estar social, como ocorre em outros países do mundo. Necessita, assim, estar sintonizado com os grandes problemas nacionais.Será necessário acelerar o esforço atual de reduzir os juros, para permitir ao país uma expansão mais pronunciada. Uma maior redução da Taxa Selic é essencial, inclusive para lograr-se um câmbio mais compatível com as políticas de desenvolvimento e exportação necessárias ao país. O gasto público em custeio e investimento tem de ajustar-se a esse enfoque renovado do desenvolvimento econômico. Isso exige uma execução orçamentária criteriosa que não paralise o Governo, sobretudo suas políticas sociais.

30. Vulnerabilidade externa. Dar-se-á prosseguimento ao exitoso esforço de reduzir a vulnerabilidade externa da economia. A política de comércio exterior, cujo sucesso esteve vinculada em boa parte à projeção político-diplomática do Brasil no mundo, mostrou que se pode fortalecer o mercado externo de maneira compatível com a ampliação do mercado interno. Crescentes superávits comerciais e das contas externas, desdolarização da dívida interna, alongamento do perfil do endividamento externo, expansão das reservas, são elementos necessários de proteção contra ataques especulativos, reduzem o Risco País e permitem à economia maior competitividade em sua inserção mundial. O Brasil deverá prosseguir em seu esforço de modificar as instituições financeiras internacionais na busca de uma ordem econômica menos desigual e mais justa. Para aumentar a soberania nacional será necessário também fortalecer um sistema nacional de inovações e um sistema público de financiamento de longo prazo.

31. Democracia. Todos esses avanços no plano econômico e social são essenciais para fortalecer a democracia política no país. Reformas políticas permitirão democratizar as instituições do Estado e a ampliação de um espaço público – terreno onde se criam novos direitos sociais – garantirá o controle do Estado pela sociedade. Isso assegura mais eficácia no combate à burocracia e à corrupção e na implementação de políticas públicas. Deverá se avançar mais na criação de formas participativas de discussão do orçamento federal. Os projetos sociais, especialmente os de massivo alcance popular, como o Fome Zero, devem combinar formas de controle institucional (Ministério Púlbico, CGU, Tribunal de Contas etc.) com um efetivo controle e fiscalização social, em organismos populares com autonomia em relação à máquina estatal, aos governos e aos partidos. A reforma do sistema partidário e eleitoral, com a adoção do financiamento público de campanhas, a fidelidade partidária, o voto em lista que permite o fortalecimento nacional dos partidos não pode mais ser adiada. A proteção dos Direitos Humanos, iniciativas em favor de minorias e um maior entrosamento e controle sobre polícias e prisões são fundamentais para reduzir um dos principais fatores de intranqüilidade da sociedade na cidade e nos campos: a violência e o crime organizado. A democratização do acesso e da produção de informação deve ser vista cada vez mais direito essencial da cidadania e não como mercadoria controlada por monopólios.

32. Os governos democráticos e populares que marcaram o imaginário social foram aqueles que combinaram a idéia de inverter prioridades e garantir ganhos materiais aos historicamente excluídos pelas políticas dos governos tradicionais, via melhorias na infra-estrutura e políticas sociais, com formas inovadoras de participação popular através da democracia participativa, materializada em experiências exitosas como o Orçamento Participativo (OP), os conselhos de direitos, temáticos e setoriais e movimentos sociais. Para amplos setores da sociedade, essas experiências mostraram que é possível construir uma nova sociedade e novas formas de organização do Estado.

33. Ao combinar ganhos na qualidade de vida dos setores populares (que têm reivindicações e interesses históricos contraditórios com o funcionamento da sociedade capitalista) com novas formas de relação do Estado com a sociedade, colocando o primeiro sob controle desta, temos melhores condições de responder positivamente à contradição de como governar sem frustrar expectativas. Ao mesmo tempo, dialogamos com dois princípios básicos da sociedade socialista que pretendemos construir: uma democracia superior à democracia liberal e políticas que buscam superar as desigualdades econômicas e sociais existentes sob o capitalismo. Dessa forma, associamos às realizações de governo a construção de uma nova cultura política, de homens e mulheres que participam, mobilizam-se socialmente em busca de direitos individuais e coletivos.

34. A prática da democracia participativa, associada à democracia representativa, tem demonstrado e aberto novos caminhos para a implementação de um projeto democrático popular. A participação, organização e mobilização popular garantem governabilidade, transparência na gestão e no gasto público, redistribuição da renda pública a favor das camadas populares e a construção de uma economia popular, com cidadania plena e solidariedade. A “redefinição do papel do Estado, no quadro do novo padrão de desenvolvimento, requer um novo modelo de gestão estatal, que se desdobra em duas grandes vertentes: a gestão participativa e a gestão estratégica. A gestão pública participativa (...) deve ser uma dimensão básica da reformulação da relação entre o Estado brasileiro e a sociedade, também no nível central. A constituição de novas esferas públicas democráticas, voltadas à co-gestão pública, à partilha de poder público, à articulação entre democracia representativa e democracia participativa será fator chave para, ao mesmo tempo, combater as práticas clientelistas, valorizando a fala dos direitos, e propiciar a participação de novos protagonistas sociais, representando a maioria da população, hoje excluída das decisões ..” [Concepção e Diretrizes do Programa de Governo do PT para a o Brasil, Encontro Nacional do PT, Recife, dezembro de 2001]
35. Combate às desigualdades e discriminações – O segundo Governo deve consolidar e avançar na implementação de políticas afirmativas e de combate aos preconceitos, à discriminação, ao machismo , racismo e homofobia. As políticas de igualdade racial e de gênero e de promoção dos direitos e cidadania de gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais receberão mais recursos. A Secretaria Especial de Mulheres, a Secretaria de Promoção de Políticas para a Igualdade Racial e o Programa Brasil sem Homofobia serão fortalecidos, influenciando e dialogando transversalmente com o conjunto das políticas públicas. O Governo Federal se empenhará na agenda legislativa que contemple as demandas desses segmentos da sociedade, como o Estatuto da Igualdade Racial, a descriminalização do aborto e a criminalização da homofobia.
36. Desenvolvimento Regional e Sustentável. O Desenvolvimento Sustentável será um dos eixos centrais do Programa de Governo Ele impõe uma estratégia de transição do atual padrão de desenvolvimento regional e socialmente desigual, baseado na super-exploração dos recursos naturais e na baixa agregação de valor aos produtos primários, para um novo, que valorize as vantagens comparativas de país mega-diverso, fortaleça seu mercado interno, reforce a capacidade criativa e inovadora da sua força de trabalho, revitalize suas cidades, enquanto espaço de trabalho, convivência e lazer – para gerar bem estar para o nosso povo.
Isso deve se expressar em metas qualitativas e quantitativas de ganhos progressivos de sustentabilidade econômica, social, ambiental, étnica e ética nas políticas públicas da macroeconomia, do crescimento econômico, da política urbana, da redução da pobreza, da universalização dos serviços públicos da seguridade social, da equalização das oportunidades para todos e todas, sem discriminação de raça, classe, gênero ou região e de proteção e uso sustentável dos ecossistemas naturais. No segundo mandato dar-se-á continuidade e profundidade a uma política da redução das desigualdades regionais, por meio de um tratamento diferenciado das distintas regiões e, dentro delas, das áreas mais postergadas. Para tanto, será fundamental o incremento das parcerias do governo federal com os outros entes federativos, de modo a somar esforços e direcionar melhor as suas ações para a solução dos problemas específicos que atingem cada parcela do nosso território. Essa orientação caminhará paralelamente à ampliação da política de proteção ambiental do primeiro mandato, através de ações transversais que impregnem as iniciativas do conjunto do Governo.

37. Integração sul-americana e projeção no mundo. O projeto nacional de desenvolvimento do Brasil caminha junto com uma política de integração que permita não só a formação de um grande mercado sul-americano, começando pelo Mercosul, mas também uma efetiva articulação de nossas economias por meio de políticas industriais, agrícolas e de ciência e tecnologia combinadas. Buscamos soluções regionais para construir uma infra-estrutura que unifique nosso espaço comum, garanta nossa segurança energética, aproxime nossas culturas e implemente políticas sociais articuladamente. Vamos continuar avançando na formação de parlamento regional, de instituições políticas e jurídicas que permitam construir uma Comunidade Sul-americana de Nações próspera, pacífica, livre, democrática e soberanamente inserida no mundo. Para construir essas alternativas é fundamental combinar as iniciativas de integração regional com medidas macroeconômicas inovadoras que rompam com a hegemonia neo-liberail na região. A América do Sul será o eixo central da política externa brasileira que continuará implementando a aproximação do país com a África, dialogando com o mundo árabe e fortalecendo alianças com os grandes países emergentes do Sul do mundo, ao mesmo tempo em que mantém relações equilibradas com as grandes potências. O Brasil aprofundará sua luta por um comércio justo, por uma mudança na relação de forças internacional que assegure um mundo de paz, multilateral, menos desigual política, econômica e socialmente.

38. Cultura, educação, ciência e tecnologia e comunicação democrática. Um grande projeto de Nação passa pela educação de qualidade, ciência e tecnologia, criação e difusão cultural. Essa pode ser uma meta síntese. 0 próximo governo dará impulso particular a grande reforma da educação já em curso no país. A entrada em vigor do FUNDEB permitirá a efetiva democratização do sistema educacional, pois garantirá qualidade da escola publica. Prosseguirá sua política de democratização da Universidade brasileira, dando continuidade à expansão de novas Universidades e de novos campi, investindo na melhoria salarial de professores e pesquisadores e carreando mais recursos para a investigação científica. O PRO-UNI continuará garantindo maior acesso ao ensino superior, particularmente aqueles que foram excluídos das universidades por sua condição social e étnica. A Universidade e os centros de investigação cientifica, em sintonia com as grandes diretrizes das políticas industrial, científica e de inovação tecnológica lançadas no atual Governo, contribuirão para uma mudança de qualidade em nosso desenvolvimento. Esses fatores, somados aos continuados esforços de inclusão social, colocarão o Brasil no caminho de uma sociedade de conhecimento, apta a enfrentar os grandes desafios colocados pelo mundo de hoje. A política cultural prosseguira seu esforço de socialização dos bens culturais e de resgate dos grandes valores da civilização brasileira. O fomento à atividade cultural receberá crescente apoio orçamentário e de fundos públicos, socialmente controlados e direcionados a projetos selecionados mediante editais. O mecanismo público de financiamento à cultura deve integrar o Sistema Nacional de Cultura. É possível a convivência, em sistemas híbridos de financiamento, entre fundos públicos e recursos privados obtidos a partir de renúncia fiscal, regulada por leis (aperfeiçoadas) de fomento à cultura.

39. A política de comunicação será construída com a democratização do acesso
aos meios de produção audiovisual e impressos com vistas a promover o
debate publico e plural e a diversidade cultural brasileira. Esta política
passa: pela implantação de um sistema democrático de radio e TV digital a
partir de novo marco regulatório para o setor e que contribua para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e política industrial nacionais; pela continuidade e ampliação dos programas de inclusão digital com base no conhecimento livre e compartilhado; e pela promoção da produção e difusão cultural popular, comunitária, independente e regionalizada.

40. O debate do PG na sociedade. Essas diretrizes apontam para os eixos fundamentais do Programa de Governo 2006. Antes mesmo do 13o. Encontro Nacional do PT, elas diretrizes foram discutidas com movimentos sociais, intelectuais, partidos aliados e, evidentemente, com a base do PT. Essa elaboração será beneficiada pelo conhecimento dos grandes problemas nacionais que está concentrado nos órgãos do Governo, nas universidades, nas associações empresariais, nos sindicatos, nas ONGs e em um sem-número de organizações da sociedade civil. Passado o Encontro Nacional, o PT deve realizar um debate com os partidos aliados, além de dar continuidade ao debate programático com a sociedade. A interlocução com o candidato à Presidência da República será elemento essencial para o perfil definitivo do Programa. O Programa de Governo, como elaboração coletiva, não deve ser apenas um conjunto de propostas de mudanças econômicas, políticas e sociais. Será o desenho de um país que queremos e podemos construir. Um instrumento de luta dos que querem assegurar as conquistas que obtivemos, para lograr as transformações com que sonham milhões de brasileiras e brasileiros.


São Paulo, abril de 2006.

sexta-feira, maio 19, 2006


NOS PORÕES DA IMPRENSA
Jornalismo de Veja não vê, chuta
Por Alberto Dines em 16/5/2006

A edição nº 1956 de Veja (17/5/2006) transformou-se instantaneamente num clássico da impostura jornalística. A justificativa posterior, assinada pelo diretor de Redação Eurípedes Alcântara, não ficou atrás: é um clássico de cinismo. Juntas, convertem-se na bíblia do parajornalismo – combinação de chantagem, espionagem e paranóia.

A matéria "A guerra dos porões" (págs. 40-45) segue uma linha que Veja persegue há tempos – derrubar o presidente da República, a maior autoridade do país. Mas foi pensada, escrita e editada no extremo oposto – nos porões de uma profissão que já foi considerada missionária, romântica, decente e respeitável.

Esta que se apresenta como a quarta maior revista do mundo ocidental (quem garante?) e agora traveste-se como "a mais respeitada revista brasileira" (está provado, não é?) sintetizou de forma admirável e trágica a história da sua própria decadência.

Embora o presidente Lula tenha protestado em termos impróprios contra o repórter Márcio Aith (sem mencionar o nome), fica evidente que se referia ao parajornalista e pau-mandado Diogo Mainardi, que pegou carona na entrevista concedida pelo banqueiro Daniel Dantas.
Nas redações de revistas noticiosas as matérias passam por muitas mãos, a responsabilidade é da direção da Redação – e, neste caso específico, da alta direção da empresa. Uma acusação ao presidente da República, soprada por uma figura como Daniel Dantas, só pode ser publicada quando há indícios consistentes. Aqui, consistente foi o delírio.

Apuração precária

Tudo na matéria é assumidamente inconsistente, incoerente, duvidoso, incerto e inseguro. A alegação de Eurípedes Alcântara de que as informações publicadas "esgotam a investigação jornalística", além da fanfarronice juvenil é um atestado público das limitações de Veja em matéria de investigação jornalística. Quem não tem competência que não se habilite.

Sem a ajuda de arapongas, espiões e malfeitores de alto ou baixo coturno Veja não consegue dar um passo. Melhor seria que continuasse na esfera da celulite, impotência, incesto, longevidade, botox, infidelidade e espiritualismo – onde, aparentemente, lidera inconteste.

Uma revista adulta, minimamente responsável, não pode inscrever esta explicação simplória debaixo de uma lista com os nomes de grandes figuras da República e as quantias que teriam no exterior:

Veja usou de todos os seus meios para comprovar a veracidade dos dados. Não foi possível chegar a nenhuma conclusão – positiva ou negativa.

Isto não é piada, é epitáfio. Atestado de óbito jornalístico. Conclusão negativa seria uma não-notícia cujo destino é a cesta de lixo. Essa sequer é uma não-notícia, mas simples suspeita veiculada por fonte suspeitíssima e que, apesar dos "seis meses de investigações", continua tão precária quanto antes da investigação. O mesmo aconteceu com os dólares de Havana que a respeitada publicação até hoje não conseguiu comprovar.

Exemplo venezuelano

Que o carro-chefe da Editora Abril tenha optado pelo haraquiri é problema da Abril. Porém a matéria de Veja vai além, ao comprometer a imprensa brasileira como instituição no exato momento em que a palavra de ordem dos calhordas pilhados em flagrante é vilipendiá-la – justamente por que a imprensa aprendeu a investigar e agora consegue se livrar dos vídeos, fitas e dossiês secretos que apareciam misteriosamente nas redações ou eram comprados de arapongas profissionais.

Passados dois dias da publicação das calúnias em Veja, o que chama a atenção é a absoluta ausência de manifestações opinativas no resto da imprensa sobre o seu aviltante comportamento. Nas edições de domingo (14/5), a matéria e a resposta do presidente Lula mereceram chamadas nas primeiras páginas do Globo e da Folha de S.Paulo. Na segunda-feira o assunto mirrou.

Nenhum editorial, apenas uma opinião, evidentemente apressada, do articulista Clóvis Rossi (Folha, 14/5, pág. 2), que de Viena considerou os supostos depósitos no exterior "quase impossíveis de desmentir". A imprensa brasileira oficializou a postura do avestruz: Veja provocou uma inédita manifestação de um chefe de Estado, mas isso não pode ser comentado, contestado ou condenado, apenas noticiado. O senso crítico do leitor não pode ser exacerbado.

Um magistrado, um parlamentar e um ministro podem ser linchados pela mídia quando cometem ilícitos. Mas revistas ou jornais são inimputáveis – mesmo em crimes de lesa-pátria e lesa-majestade – graças ao habeas corpus da solidariedade corporativa. Esta mesma camaradagem tipo country club foi intensamente utilizada na vizinha Venezuela e o resultado foi (1) a ascensão do caudilho Hugo Chávez, (2) o ressentimento das massas incultas contra los medios de comunicação e (3) o castigo imposto a todos – bons e maus jornalistas, bons e maus veículos: uma imprensa encurralada.

Enquanto o narcoterrorismo captura um estado e com ele o Estado, o padrão Veja de jornalismo captura o senso crítico da sociedade brasileira para torná-la presa fácil dos desvarios. [Texto fechado às 21h14 de 16/05]

terça-feira, maio 16, 2006

A autoridade do povo

O Judiciário das massas

Bárbara Viana




Nas décadas de 40 e 50, milhões de pessoas visitaram os países socialistas, principalmente a União Soviética e a China. Incontáveis foram os relatos de viagem, em forma de diário, narrativas políticas ou comentários técnicos acerca do modo de produção socialista e das realizações das massas populares derrubando barreiras para a construção acelerada do socialismo. Isto ocorria em todos os setores da vida da sociedade, e eram as próprias massas que exigiam a transformação, uma vez que, com o poder nas mãos, destruíam o velho e construíam o novo.

O consagrado jurista e patriota brasileiro Osny Duarte Pereira, participou em Berlim do V Congresso da Associação Internacional de Juristas Democratas, ao lado de pensadores de todos os continentes em setembro de 1951, tendo aproveitado a ocasião para percorrer a Tchecoslováquia e a União Soviética. Osny Duarte Pereira não era comunista, mas nos registros que faz com honestidade no livro Juízes brasileiros atrás da Cortina de Ferro1, revela a superioridade do modo de vida dos soviéticos e demais povos socialistas.

O Congresso da Associação Internacional de Juristas Democratas teve a cobertura jornalística de Jurema Yari Finamour, brilhante jornalista, autora de obras como Coréia sem paz; Quatro semanas na União Soviética; Vais bien Fidel; Bem te vi, Amazônia; a autobiografia A mulher que virou bode e vários outros. Em 1956, Jurema viajou pela China, e o relato desta sua viagem encontra-se no livro China sem muralhas2, do qual extraímos suas considerações sobre a justiça entre os chineses, a Lei do Casamento e as prisões.

Osny, sobre a magistratura
“(...) Em Moscou os juízes têm circunscrição territorial, de modo que funcionam espalhados por toda a cidade. Nos levaram a um dos (tribunais) mais centrais (...) Aqui é o número de processos que determina uma circunscrição. Nenhum juiz deve receber mais de 40 processos por mês para sentenciar. Portanto, se uma circunscrição, seja pela natureza dos serviços públicos que ali estão sediados, seja por outras fábricas ali construídas, seja por qualquer motivo está crescendo de maneira a acarretar mais do que a média mensal de 40 sentenças, a Administração da Justiça modifica imediatamente os limites territoriais de modo a formar uma outra circunscrição (...) Do mesmo modo, se o serviço baixa, a circunscrição se suprime e os territórios são incorporados aos das vizinhas.

(...) Não há vitaliciedade, nem mesmo entre os juízes da Suprema Instância. O Parlamento pode substituir os juízes.

(...) O empenho na manutenção do laço conjugal se manifesta na particularidade de que os divórcios litigiosos apenas podem ser examinados pela Segunda Instância. A primeira não tem competência para essa natureza de causas. Os crimes políticos também escapam à jurisdição da Primeira Instância, bem como os que interessam à segurança do Estado. Para determinados delinquentes ou vítimas, isto é, quando se trata de altos funcionários da administração, tal como nos outros países, a competência é da Suprema Côrte.

(...) levam-nos a uma sala de julgamento onde o juiz -presidente exerce o cargo há seis anos. Muitos juízes-presidentes têm sido reeleitos há vinte anos.

(...) Em se tratando de delitos praticados por menores, o julgamento deverá ser preferentemente feito por tribunal de que faça parte um médico e um professor sob a presidência de juiz de curso jurídico universitário, somente se dispensando no caso de impossibiidade absoluta. O cumprimento de penas se faz em colônias especiais de educação.

(...) Ainda relativamente ao divórcio litigioso, cuja sentença se dá apenas em Segunda Instância, a declaração do mesmo não se faz, em base de haver ou não, cônjuge culpado, mas de existir ou não conveniência na manutenção do vínculo. Especialmente se há filhos. Estes é que determinam, em primeiro lugar, a permanência do laço conjugal. Se o interesse de sua educação aconselha que se mantenha o casamento, o divórcio será negado.

(...) Como tudo isso é diferente do propalado “amor livre” que sempre ouvia a respeito do casamento na União Soviética! Ainda, para isso, é sugestivo o julgamento de um pedido litigioso de divórcio que vamos assistir num Tribunal Regional de Moscou, o que adiante descrevemos. (...) Versa a hipótese sobre um cidadão com 55 anos que já tem filhos adultos de um casamento anterior e exerce as funções de sub-gerente de um restaurante, casado com uma operária de 39 anos, há mais de um ano, e que pretende o divórcio porque o motivo de seu casamento fora a vontade de ter mais filhos e, entretanto, ela é estéril e muito sem ordem, circunstâncias que lhe foram ocultadas. (...) A esposa se opunha ao pedido, porque se casara com a finalidade de ter um apoio na velhice que se aproxima, pretendendo deixar de trabalhar. A esterilidade é curável, segundo afirmação do médico que lhe trata e já era do conhecimento do marido antes do enlace, o qual queria contrair núpcias de qualquer modo, não obstante muitas ponderações que ela havia feito, especialmente por não ser pessoa saudável, nem ter cultura suficiente para acompanhá-lo em seus prazeres intelectuais. O autor, naquela época, considerava tolas essas objeções e agora pretende se desfazer dela de qualquer forma.

(...) Ela atribui o verdadeiro motivo a um romance com outra mulher. O homem nega, mas diante das advertências de que o falso testemunho poderá acarretar cadeia, acaba declarando que tem amizade com outra moça, porém não há intenção de casar com essa, nem existem relações íntimas, sendo tudo meras suposições da esposa.

(...) Uma das juízes fez várias advertências ao marido contra o perigo dos rabos de saia e retiraram-se. A sentença negou o divórcio requerido. Na Delegação Brasileira, o elemento feminino achou errada a decisão do tribunal. Pois era injusto manter o casamento contra a vontade, especialmente quando ela havia se casado por interesse econômico. Nós, os maridos, curiosamente achamos justa a decisão, porque a esterilidade, dada como causa, era conhecida pelo marido e, nessas condições, o erro essencial alegado não existia. Como é difícil julgar... (...)”

Jurema: leis e tribunais
“(...) — A lei na nova China é para servir ao povo — disse-me um jurista durante um almoço. Por isso a elaboração dos códigos é feita pacientemente de acordo com a realidade, com o acontecido. (...) O importante é que desejamos discutir. E a liberdade de crítica e iniciativa é absoluta entre os juristas chineses. Todos trabalham para um fim: melhorar as condições de vida do povo.

(...) — Há um só sistema de Corte em nosso país, incluindo a Corte Militar. Não possuímos tribunais especiais. A Corte tem o direito exclusivo de julgar os casos de violação da lei, não importa o personagem que se veja envolvido. Temos a Corte Superior que pode ser ordinária e especializada. A seguir temos a Corte de Cassação, que é a mais elevada. (...)

— Somente dois organismos podem decidir sobre as prisões: a Procuradoria e a Corte. A polícia não pode prender ninguém sem permissão do Procurador-Geral. Em caso de crime, a polícia poderá deter o indivíduo somente por 24 horas, dentro das quais deverá buscar a aprovação da Procuradoria-Geral, e esta, por sua vez, será obrigada, dentro de 48 horas, a dar uma solução: prender em definitivo ou liberar. Se a Procuradoria não está de acordo com a prisão a polícia deverá liberar o preso imediatamente. Esta é uma lei criada para proteger o indivíduo de injustiças e prisões inocentes.

Agora fala-me dos julgamentos.

— Somente os processos simples ou inscritos em lei especial dispensam os assessores. Nos processos civis ou penais os mesmos são obrigatórios. O julgamento se faz por três pessoas. Um juiz assistido por dois assessores que são eleitos pelo povo, escolhidos entre operários, artistas, comerciantes, etc. Os assessores durante o trabalho estão em pé de igualdade com os juízes. Não somente têm o direito de verificar a culpabilidade, mas também dar a decisão. Se estes querem liberar o réu e o juiz é contrário, vencem os primeiros. A decisão jurídica deve ser assinada pelos três. Faltando uma das assinaturas, não será válida.

(...) — O país está muito contente com esse sistema. Antes da liberação o povo tinha horror à Corte. Hoje colabora, defende-se, sente-se seguro, os julgamentos de três pessoas mostram muito bons resultados.”

Processos judiciais educativos
Os julgamentos públicos chamam a atenção dos visitantes, mas seu caráter educativo, o envolvimento dos espectadores com os casos julgados e a justiça das sentenças impressionam mais ainda:

“(...) — Muitas vezes, se um julgamento pode trazer ensinamentos ao povo, é feito publicamente — adverte-me um juiz e chefe da secção criminal de um tribunal de base, na cidade de Cantão. Diz que o principal objetivo dos julgamentos educacionais é efetivamente, o de diminuir a criminalidade.

— O réu de hoje é um ciclista e muitos outros existem entre os espectadores.

— Assim — explicou-me — antes da liberação vivíamos numa sociedade de costumes feudais. As nossas mulheres não tinham nenhum direito. Após a liberação, fizemos muitos julgamentos públicos de casos de maus tratos em relação às mesmas e estes diminuíram consideravelmente. É só raciocinar — prossegue. De assistentes teremos 3 mil pessoas. Pelo menos 8 mil escutarão o julgamento pelo rádio. É uma boa escola e tem dado muito bons resultados...

O teatro está repleto. Ocupamos um camarote.

Assistimos ao julgamento de um tribunal de base. Os mesmos três juízes de sempre. Um juiz efetivo e dois assessores. O réu aparece. Um pobre rapaz de cabelos revoltos coloca-se em pé, de costas para o público. Os nomes dos juízes são lidos em voz alta. Nenhum impedimento. Prosseguem. O motivo: correu muito num triciclo e causou a morte de um velho. (...)

Explica o acusado:

— Eu vinha de cabeça baixa. Pensava em minha mulher enferma. O pobre homem atravessou a rua, fora da faixa. O peso do triciclo era demasiado. A rua, uma ladeira. Impossível frear. Aconteceu o inevitável. Quando o vi estendido no solo, abracei-me a seu corpo e chamei por socorro.

Nesse ponto a assistência dá opiniões. Pequenos papelinhos são entregues aos soldados de guarda que depositam por sua vez na mesa do juiz.

— Você corria demasiado! — afirma o juiz.

— A velocidade era a mesma de sempre. Apenas, a rua era uma ladeira — justifica.

Seus olhos viram uma farmácia, pensou nos remédios que sua mulher necessitava e distraiu-se. Chora diante de todos.

A assistência parece que se inquieta. Ondula-se a massa, quase uniforme no seu colorido. O azul em algumas tonalidades e o branco formam o conjunto de homens e mulheres que vieram assistir ao julgamento.

— Quais os seus sentimentos, no momento do acidente? — pergunta-lhe o juiz de improviso.

— Eu sabia que estava em falta. Por causa de minha mulher, fazia morrer outro ser. Sentia-me em desgraça. Aprendi que o governo socialista zela pela vida de todos nós, pelas nossas condições de trabalho e eu, por egoísmo, por distração, cometo um crime!

(...) Saímos da sala para esperar o veredicto. Um pequeno intervalo onde as discussões se acaloram. Um brasileiro pessimista afirma:

— “Se fôssemos julgar, em nosso país, todos os pequenos casos como este, com tanto aparato, não acabaríamos nunca”!

— Também os temos aos milhares — diz-nos o jurista chinês. Mas um julgamento como este não evita, pelo menos, umas centenas?

Voltamos ao teatro. Condenado a dois anos com direito a sursis. Poderá sair, livremente, mas durante dois anos, se cometer outra falta, virá cumprir a pena.

— Hoje será posto em liberdade. Deverá pagar uma multa de 200 yuans que poderá ser dividida em três vezes – esclarece o amigo que nos acompanha.

Saímos com uma sensação de alívio.”

Recuperação nas penitenciárias
Jurema registra que, nas penitenciárias, tudo é diferente. Poucos guardas, higiene absoluta, formação política e técnica e muito trabalho para os presos, porque estes também ajudam a construir o socialismo.

“Estamos ainda em Hangt-Cheou e visitamos um Instituto de Reeducação pelo Trabalho.

— Existem, no mesmo, duas usinas fundadas em agosto de 1952. A primeira é para a fabricação de seda e cetim e a segunda para a produção de instrumentos agrícolas — esclarece-nos o diretor da prisão escola. “Antigamente — prossegue — neste lugar era a prisão militar do Kuo Min Tang. Ao ser por nós transformada em fábricas do Instituto de Reeducação, vários edifícios foram construídos. No início, logo após a liberação, não tinham um objetivo certo, determinado. Existiam apenas 10 teares, que se desdobraram em 40. Há na China 500 prisões operárias como esta. Entre os 250 detidos existem apenas 10 mulheres.

(...) Vamos agora percorrer as instalações. Estas são modestas, como aliás são todas as instalações das organizações chinesas. Várias vezes surpreendo-me, na China milenar ouvindo a frase: “Nosso país é muito jovem. Temos apenas seis anos...” Isto significa que tudo que possuem agora foi construído após a liberação. (...)

— Produzem aqui — diz um dos acompanhantes — cada dia 9 mil quilos de produtos de ferro. — Trabalham como qualquer operário, não vejo diferença — afirmo.

— Em nosso país procuramos fazer do prisioneiro um homem comum.

(...) — Nunca houve uma revolta e verificaram-se apenas duas evasões, desde 1954. Penso involuntariamente nas trágicas revoltas e evasões, das grandes e confortáveis prisões americanas que o próprio cinema de Hollywood, tantas vezes, nos fez conhecer...

— Qual será a causa do milagre dessa pacificação?

— Creio que a educação política que ministramos aos presos lhes eleva a consciência — responde-me, um pouco indeciso, o diretor.

A guarda não pode ser tão grande, pois que até agora só vi um soldado na porta de entrada. (...) Não existem assassinos nesta escola de trabalho. Estes estão em escolas especiais. Se um prisioneiro viola o regulamento é criticado publicamente, para reeducação, pela própria equipe de companheiros.

(...) — Ensinamos a ler e escrever aos nossos prisioneiros. Não lhes proibimos a religião pessoal. Aos muçulmanos suspendemos a carne de porco que a sua religião proíbe. Os que tinham emprego voltam para suas funções antigas ou o Governo lhes dará trabalho em qualquer outra organização. Através da organização do bem estar do Instituto a família dos presos é atendida em suas necessidades mais prementes. Como divertimento? Existem muitos círculos, de dança, de teatro, de cinema. Os próprios prisioneiros dão representações.

— A prisão mais longa, neste Instituto, é de 15 anos. Os que devem cumprir pena perpétua são transferidos para uma prisão provincial. A maior parte desses prisioneiros são ladrões. As brigas são raras. O homossexualismo não existe. Aos casados, estamos cogitando de fazer depender da boa conduta, o fato de poderem receber suas mulheres. (...) É permitida a leitura de todos os jornais. Entra um jornal para cada 10 pessoas. Lêem livremente. É permitido falar com os advogados, escrever-lhes, solicitar ajuda. Se o criminoso pode vir a pedido para esta usina? Não. É o Governo que o envia. Além do trabalho estudam por dia duas horas, fazem uma hora e meia de atividades recreativas e o resto é livre. A renda da usina é maior que a sua despesa, sim.

(...) Ainda não estão satisfeitos os visitantes. Querem ver a cela solitária.

(...) — Como era a solitária? — pergunto.

— Ora! — responde alegre um deles. — Simplesmente uma sala de três por quatro metros, bem ventilada. Uma esteira, cobertas e travesseiros. A mesma higiene de sempre e... vazia! Estamos até um pouco decepcionados... — Fez um delegado com gaiatice.

Efetivamente, achamos que existem deficiências nas acomodações da penitenciária de Hangt-Cheou, quando pensamos nas penitenciárias modelos que possuímos, mas, lendo as corajosas reportagens de um jornalista brasileiro sobre nossas prisões, “enfiamos a viola no saco” e silenciamos. Não podemos ser arrogantes, diante das dantescas condições de nossas casas de detenção. Devemos aprender a modéstia e a temperança com este educado povo, que nos recebeu com fidalguia e superioridade.

Nesse terreno, nossas deficiências são bem maiores que nossas conquistas... (...) Velha prisão fundada em 1905, na dinastia dos manchús tornou-se, com a liberação, uma penitenciária de reeducação com o nome de Primeira Prisão da Província de Tien Su, da cidade de Nanquim, antiga capital do Kuo Min Tang.

(...) — Sob o ponto de vista cultural não ficaram para traz em relação à sociedade. Embora nosso trabalho ainda sofra sérias deficiências, organizamos conferências, reuniões de estudos políticos, filmes educativos, teatro. No terreno dos esportes: ping-pong, bilhar, volley. (...) Nem só de pão vive o homem, diz o provérbio, e lá está a biblioteca para os condenados: Obras escolhidas de Mao Tsetung, Constituição da República Popular da China, Conhecimento do mundo (...) são os que estão expostos. Nesta ala as celas estão ocupadas. São os que trabalham em outro horário com certeza. Lêem jornais, livros, estudam em cadernos... Um jornal mural com críticas, confissões, desenhos.

Deparo, num longo corredor, um espetáculo magnífico. Dezenas estão sentados sobre esteiras com um livro aberto nos joelhos enquanto um deles, de pé, lê, em voz alta, e os outros repetem em coro os diferentes caracteres chineses. Aprendem a ler. Alguns são bem idosos e é comovente ver estes homens já tão vividos e sofridos dando os seus primeiros passos na alfabetização. (...) Um homem de cabeça raspada, rosto largo e dentes perfeitos, está sentado em um esteira entregue a seus pensamentos. Não lê nem livro nem jornal.

— Está descansando porque se machucou – me dizem.

Ele mostrou a perna onde um raspão foi medicado com mercúrio cromo. Não parece nada grave, ele mesmo está com um ar muito satisfeito mostrando sua canela esfolada.

(...) — Por que você veio parar aqui?

Entre os chineses que me cercam está uma moça da Administração. Responde pelo preso. Uma censura partiu dos lábios de todos, as mãos ergueram-se, levadas por um só impulso, num gesto de quem pede silêncio. Como se quisessem dizer: “quem deve responder é o condenado. A pergunta não foi dirigida a você...” O prisioneiro responde e todos estão atentos e silenciosos. — Fui condenado por ter sido contra-revolucionário.

— Por que razão você é contra-revolucionário?

— Deixei-me influenciar pelo regime apodrecido do Kuo Min Tang e quis sabotar a revolução que liberou nossa pátria.

— Você já está arrependido?

— Agora vou trabalhar bem. O Governo Popular cuida de nós com carinho. Vou trabalhar bem — reafirma com convicção

Proteção à mulher e à família
Em audiência com o vice-Ministro da Justiça, Jurema conhece a nova Lei do Casamento da China, que marca um golpe duríssimo no feudalismo chinês, no que diz respeito às mulheres. A igualdade além das formalidades da lei, ou seja, de fato, deixa em xeque as constituições democráticas ocidentais, que só reconhecem esta igualdade no papel. A proteção às crianças também era relevante na China revolucionária:

“(...) — Agora podemos apreciar nossa nova Lei de Casamento. Esta lei foi promulgada em 1950, na Nova China, portanto. Vivíamos, antes da liberação, em regime feudal. As mulheres eram sempre exploradas pelo homem... No relatório escrito pelo Presidente Mao Tsetung está escrito que os homens chineses foram subordinados a três espécies de exploração. Primeiro: explorado pelo regime feudal; segundo: explorado pelos pais; e, terceiro: explorado por Deus. Às mulheres, acrescentou mais uma forma de exploração: a exploração pelo marido.

(...) — Após muitas discussões, a nova lei apareceu trazendo, em suas disposições gerais, os artigos nº 1 e 2, com o seguinte teor: “Está abolido o sistema matrimonial feudal, arbitrário e imperativo, baseado na superioridade do homem sobre a mulher, e indiferente aos interesses das crianças. Será posto em aplicação o sistema matrimonial da nova democracia, baseado na liberdade do homem e da mulher de se escolherem como cônjuges, na monogamia, na igualdade de direitos entre os dois sexos e na proteção dos interesses legítimos da mulher e dos filhos”, e, “são proibidos a bigamia, o concubinato e a adoção de meninas-noivas”. São proibidas, igualmente, a intervenção nos casamentos das viúvas e toda extorsão dos bens existentes em contrato matrimonial entre quem quer que seja.

(...) — Na fase de preparação muitos organismos foram ouvidos?

— No período de preparação ouvimos as opiniões do Tribunal Superior, do Ministério da Justiça, dos organismos populares, das minorias sem exceção, da organização internacional de mulheres. Após um ano de trabalho, promulgamos a lei.

(...) — A nova Lei de Casamento na China tem quatro características. Primeiro: liberdade absoluta de casamento; segundo: o casamento só é permitido com uma só mulher. Acabou-se a poligamia. A terceira característica está baseada na igualdade de direitos do homem e da mulher. E, por fim, a quarta característica preserva os interesses da mulher e dos filhos. — Segundo a lei, é preciso que ambos os cônjuges se casem com pleno consentimento. Nenhuma obrigação, nenhum interesse. Por outro lado, lutamos contra os casamentos cegos, de obrigação. Segundo a nova lei não é possível que o homem tenha muitas mulheres ao mesmo tempo, nem casar duas vezes sem o divórcio homologado.

(...) — Em que consiste o princípio de proteção à mulher e criança?

— Por exemplo: se a mulher fica grávida o homem não pode pedir o divórcio. Este só poderá solicitá-lo um ano após o parto de sua mulher.

— E a mulher pode solicitá-lo nessas condições?

— É claro que pode. Depende exclusivamente dela separar-se ou não do homem durante este período.

— No tocante ao divórcio a lei garante as mesmas relações entre os pais e os filhos, depois da separação. Não há possibilidade de um deles se colocar com direito exclusivo sobre os filhos. Muito embora, mesmo em seguida ao divórcio, os pais tenham as mesmas obrigações em relação à criação e à educação dos filhos.

(...) — O divórcio também é feito com o pleno consentimento de ambas as partes. Se uma das partes pede o divórcio, o Tribunal deve proceder a uma investigação, saber claramente se existem condições para evitá-lo. Verificada a impossibilidade de viverem juntos é que o divórcio será concedido. Não é tão fácil como se pensa – diz o senhor Ken Ho; não são concedidos divórcios por motivos fúteis.

(...) — Abordamos rapidamente os casos de delinquência feminina e infantil. Disse-me a senhora Lio: — Nosso país é um país socialista e esta é a sua superioridade. Antigamente os homens eram impulsionados a roubar e até a matar, pela miséria. À medida que sobe o nível de vida e há trabalho para todos, os crimes e roubos diminuem. Organizações infantis, como os palácios de pioneiros, ocupam as horas livres dos estudos de grande percentagem de crianças. Organizações femininas ajudam as mulheres a resolver seus problemas mais prementes, e lhes dão toda espécie de assistência. Graças ao desenvolvimento da economia nacional e do melhoramento das condições de vida, o número de delinqüentes diminui dia a dia. Graças, também – explica a senhora Lio Man – à nossa divulgação dos textos da lei, instruindo o povo quanto aos seus direitos e deveres, a consciência do povo se eleva. Os julgamentos públicos que você teve a oportunidade de assistir, com a sua propaganda pelos jornais e rádio, influenciam beneficamente na formação da consciência do povo e dificultam cada vez mais as reincidências...”

1 Pereira, Osny Duarte – Juizes brasileiros atrás da cortina de ferro, 2ª edição, José Konfino Editor, Rio de Janeiro, 1952.
2Finamour, Jurema Yari – China sem muralhas, Editora Prado, Rio de Janeiro, s.d.

sábado, maio 13, 2006

13 de Maio dia da libertação dos escravos, 118 anos .

Bragança Paulista 13 de Maio de 2006


Rio de Janeiro, 13 de maio de 1888. Cerca de 10 mil pessoas se aglomeram em volta do Paço, o palácio do governo na capital federal. É gente do povo, da alta sociedade e autoridades que aguardam a chegada da princesa Isabel para a assinatura da lei de número 3.353, a Lei Áurea, a mais comentada e festejada de toda a história do Brasil até aquela época. Ela encerrava quase quatro séculos de escravidão de negros no Brasil. Hoje, a Lei Áurea faz parte da história. Não é mais comemorada com a mesma alegria de antigamente, nem mesmo pelos negros, os principais beneficiados. Participantes do Movimento Negro no Brasil consideram que a lei foi apenas uma conquista na área jurídica, pois obrigou o fim da escravidão. Mas não houve conquista social: os negros permaneceram marginalizados na sociedade e até hoje lutam contra o preconceito.

Num país que inventou a prerrogativa jurídica segundo a qual as leis "pegam" ou "não pegam", não é de estranhar que as imposições contra o tráfico de escravos e contra a própria escravidão tenham demorado tanto para "pegar". As pendengas judiciais, aos tortuosos caminhos legais da Câmara e do Senado, aos entraves e recuos provocados por infindáveis discussões partidárias; aos conflitos entre os liberais e conservadores que antecediam a aprovação de qualquer nova lei contra a escravidão, deve-se acrescentar o fato de que, depois de finalmente aprovadas, tais leis se tornavam, no ato e na prática, letra morta. Esse processo sórdido explica por que a luta legal contra a escravidão se prolongou por 80 anos no Brasil.

Os negros libertos - quase 800 mil - foram jogados na mais temível miséria. O Brasil imperial - e, logo a seguir, o jovem Brasil republicano - negou lhes a posse de qualquer pedaço de terra para viver ou cultivar, de escolas, de assistência social, de hospitais. Deu-lhes, só e sobejamente, discriminação e repressão.

Grande parte dos libertos, depois de perambular por estradas e baldios, dirigiu-se às grandes cidades: Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Lá, ergueram os chamados bairros africanos, origem das favelas modernas. Trocaram a senzala pelos casebres. Apesar da impossibilidade de plantar, acharam ali um meio social menos hostil, mesmo que ainda miserável.

O pior que a Direita porca queria que os senhores de Fazendas fossem indenizados. Tem cabimento uma história dessa?.
Sem exitonesse plano diabolico puseram em pratica outro plano sórdido que era "escravisar" os recem chegados imigrantes Europeus e Asiaticos. E assim o fizeram durante os próximos 90 anos foram de escravidão moderna, pois o trabalhador pensava que era livre, mas na verdade era um escravo da mesma forma que nossos irmãos negros foram. Todos os pobres foram transformados em cativos, idependente da cor ou raça.

Noventa anos depois da, Luís Inácio da Silva, um metalurgico de São Bernardo do Campo, cobrou a liberdade de fato, começou pela sua area e ganhou notoriedade nacional pelo arrojo com que combateu a legislação sindical e trabalhista brasileira, pela ênfase com que defendeu um sindicalismo autônomo e vinculado aos interesses dos trabalhadores e pelas propostas de negociações diretas entre empregados e empregadores, emitindo contundentes críticas contra as ingerências praticadas pelo governo. Por esse motivo, foi preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Saiu da cadeia para realizar o sonho de fundar o Partido dos Trabalhadores - PT.

Lula concorreu em 1982 ao governo de São Paulo (ficou em quarto lugar), quatro anos depois foi o deputado federal mais votado do país, nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte. Chegou à sua primeira tentativa presidencial em 1989, e ao longo de duas outras campanhas fracassadas para a Presidência da República, Lula correu chão. Nas Caravanas da Cidadania de 1993 e 1994, andou pelo Brasil. Pelo mundo, apareceu como interlocutor de personalidades internacionais como Fidel Castro, François Mitterrand e Nelson Mandela.

Hoje o grande estadista é Presidente da Republica Federativa do Brasil pelo Partido que fundou e se esforça ao maximo para que a verdadeira Lei Aurea, chegue de fato a todos os cidadãos brasileiros da forma verdadeira e definitiva.

13 de Maio, data que se comemora a libertação dos escravos.

13 o numero do Partido politico que mais pois em prática a Lei Aurea, libertando os escravos modernos.

sexta-feira, maio 12, 2006


Lula e Evo Morales tentam acertar os ponteiros

Reunião entre os dois presidentes procura estabelecer novo patamar nas negociações sobre a questão do gás boliviano. Na quinta-feira, em meio aos duelos verbais, representantes dos dois países assinaram um acordo para tratar da revisão de preços do gás em um clima de diálogo bilateral, com uma fase de transição e formas de compensação negociadas.

Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior

O presidente da Bolívia, Evo Morales, negou nesta sexta-feira (12) que tenha acusado a Petrobras de contrabando e sonegação. Segundo ele, esses crimes estão sendo investigados, mas não se aplicam à estatal brasileira. “Há muitas acusações contra algumas empresas. Não falei da Petrobras”. Evo lamentou que alguns meios de comunicação tenham publicado que eu me referia a Petrobras.

A declaração do presidente boliviano fez baixar em alguns graus a temperatura que havia esquentado na quinta-feira, provocando uma escalada nas declarações de representantes dos dois países. Neste sábado, Evo Morales tem uma reunião marcada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir a situação da Petrobras na Bolívia e questões relativas à nacionalização das reservas de gás e petróleo naquele país. “Seguramente assentaremos algumas bases para que sigamos sendo aliados como países, como também por empresas”, disse o líder boliviano.

Apesar da guerra de declarações pela mídia, representantes dos governos do Brasil e da Bolívia chegaram a um acordo, na quinta-feira, sobre como encaminhar as negociações envolvendo a questão do gás. Assinado pelos ministros de Minas e Energia do Brasil, Silas Rondeau, dos Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Soliz Rada, e pelos presidentes da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli de Azevedo, e da estatal boliviana YPFB, Jorge Alvarado, o acordo toma como ponto de partida o “espírito da Declaração de Puerto Iguazu”, onde Evo Morales e Lula debateram o tema.

Segundo o texto assinado, “as partes concordaram que a proposta de revisão de preços de gás seja tratada, de forma racional e eqüitativa, nos termos da Declaração de Puerto Iguazu, ao amparo dos mecanismos estabelecidos o contrato de compra e venda de gás natural”. Além disso, estabelece reuniões em nível técnico para tratar de uma fase de transição e formas de compensação negociada.

O documento também anuncia a criação de uma Comissão de alto Nível, composta pelos dois ministérios e pelas duas estatais, assim como de uma comissão técnica e três grupos de trabalho. O ministério de Minas e Energia do Brasil e a Petrobras reiteraram seu respeito pelas decisões soberanas do governo e do povo bolivianos. “Os métodos de trabalho estabelecidos na reunião refletem o interesse em aprofundar o diálogo bilateral”, conclui o texto.

A reunião deste sábado entre Lula e Evo Morales deve ser marcada pelo espírito dessa declaração, uma vez que o acirramento da disputa não interessa a nenhum dos lados. Os dois governantes devem se comprometer a tratar da questão do gás dentro de um padrão de negociações bilaterais. Após as trombadas verbais dos últimos dias, tudo indica que Evo e Lula se esforçarão para estabelecer um novo patamar na condução deste debate que acabou ganhando toda a atenção da mídia na cúpula entre União Européia, América Latina e Caribe.

CONFLITOS SURPREENDEM EUROPEUS

Representantes da União Européia (UE) e observadores internacionais manifestaram perplexidade com o clima de desunião entre os países da América do Sul, no início da reunião de cúpula em Viena. A Argentina está em litígio com o Uruguai, que ameaça deixar o Mercosul. O Brasil está em litígio com a Bolívia por conta da nacionalização do gás e do petróleo e do papel da Petrobras. A Venezuela anunciou a saída da Comunidade Andina, apóia Evo Morales na Bolívia e também começa a se estranhar com o Brasil. E por aí vai.

Durante a cúpula de Viena, a União Européia pretendia avançar nas negociações comerciais com o Mercosul e a Comunidade Andina. Já percebeu que será muito difícil. Segundo avaliação de Claudia Detsch, especialista em Cone Sul da Fundação Friedrich Ebert, o Brasil terá que assumir sua função de mediador para resolver o conflito entre Uruguai e Argentina.

Ao mesmo tempo, terá que trabalhar para baixar a temperatura na relação com Bolívia e Venezuela. Tudo isso, em meio a um crescimento de sentimentos nacionalistas em cada um destes países, realimentados a cada declaração mais dura de diplomatas e governantes. Uma primeira conseqüência prática desse clima foi o cancelamento da reunião entre líderes do Mercosul e da União Européia, marcada para este sábado, que teria o objetivo de tentar retomar as negociações de um acordo comercial entre europeus e sul-americanos.

Dos quatro presidentes dos países membros do Mercosul, três decidiram não participar do encontro que deveria ocorrer após o encerramento da reunião de cúpula: Nestor Kirchner, da Argentina, Tabaré Vázquez, do Uruguai, e Nicanor Duarte, do Paraguai. Assim, o encontro entre líderes de governo foi substituído por uma reunião em nível ministerial.

Nesta sexta-feira, o representante para Política Externa da União Européia, Javier Solana, expressou o temor de que a crise entre Uruguai e Argentina em torno das fábricas de celulose acabe provocando uma grave crise no Mercosul. Solana conversou separadamente com os presidentes Tabaré Vázquez e Nestor Kirchner na busca de uma solução para a disputa. “Faremos todo o possível para que se encontre uma fórmula viável, mas infelizmente, por enquanto, a tensão continua”, disse Solana em linguagem diplomática.

Em outras palavras: as conversas ainda não tiveram nenhum efeito prático na direção da superação da crise. Na avaliação do representante europeu, o Mercosul enfrenta atualmente dois fatores de desestabilização: a disputa entre Uruguai e Argentina e a decisão do governo venezuelano de sair da Comunidade Andina e aderir ao bloco sul-americano.

COMUNIDADE ANDINA ESTÁ MORTA, REAFIRMA CHÁVEZ

Falando sobre esse tema, Hugo Chávez reafirmou nesta sexta-feira que a Comunidade Andina das Nações (CAN) está morta. “Eu acredito que está morta. Enterremos os mortos e procuremos a vida, dizia Cristo”, declarou Chávez à rádio Caracol de Viena. Em meados de abril, o presidente venezuelano anunciou a saída de seu país da CAN, da qual participam o Peru, a Bolívia, o Equador e a Colômbia, argumentando que o Tratado de Livre Comércio que Bogotá e Lima assinaram com os Estados Unidos acabou com qualquer possibilidade de futuro do acordo regional.

Indagado sobre a possibilidade de salvar esse acordo, Chávez recorreu ao pensamento de Ilya Prigogine, Prêmio Nobel de Química de 1977. “Se salva o mundo, se salvam os povos, isso é o mais importante, o restante são estruturas dissipadoras, diria Ilya Prigogine”, declarou. Chávez disse ainda que os colombianos são um povo irmão e que os venezuelanos estão dispostos à integração dos povos e não à das elites.

A reunião de cúpula de Viena acabou não avançando em grande coisa. Mesmo que não houvesse o problema das disputas no âmbito do Mercosul e da América do Sul, a possibilidade de um acordo comercial entre os blocos depende do que for decidido na Rodada de Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um apelo para que os líderes presentes na reunião de cúpula trabalhem para apressar o fim da Rodada de Doha.

Essa seria, segundo Lula, a melhor maneira de os países ricos contribuírem para a luta contra a pobreza. “A Rodada da OMC é a melhor chance que temos para reduzir ou eliminar subsídios, abrir mercados, aumentar a riqueza e gerar empregos”, afirmou o presidente brasileiro em discurso feito para 50 chefes de Estado. “Somente com um comércio verdadeiramente livre de entraves e subsídios é que poderemos integrar milhões de seres humanos à economia mundial”, acrescentou. Os problemas recentes na América do Sul recomendam uma boa dose de ceticismo quanto à concretização desse objetivo.

Fonte: http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=10859&boletim_id=26&componente_id=430