sexta-feira, maio 12, 2006


Lula e Evo Morales tentam acertar os ponteiros

Reunião entre os dois presidentes procura estabelecer novo patamar nas negociações sobre a questão do gás boliviano. Na quinta-feira, em meio aos duelos verbais, representantes dos dois países assinaram um acordo para tratar da revisão de preços do gás em um clima de diálogo bilateral, com uma fase de transição e formas de compensação negociadas.

Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior

O presidente da Bolívia, Evo Morales, negou nesta sexta-feira (12) que tenha acusado a Petrobras de contrabando e sonegação. Segundo ele, esses crimes estão sendo investigados, mas não se aplicam à estatal brasileira. “Há muitas acusações contra algumas empresas. Não falei da Petrobras”. Evo lamentou que alguns meios de comunicação tenham publicado que eu me referia a Petrobras.

A declaração do presidente boliviano fez baixar em alguns graus a temperatura que havia esquentado na quinta-feira, provocando uma escalada nas declarações de representantes dos dois países. Neste sábado, Evo Morales tem uma reunião marcada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir a situação da Petrobras na Bolívia e questões relativas à nacionalização das reservas de gás e petróleo naquele país. “Seguramente assentaremos algumas bases para que sigamos sendo aliados como países, como também por empresas”, disse o líder boliviano.

Apesar da guerra de declarações pela mídia, representantes dos governos do Brasil e da Bolívia chegaram a um acordo, na quinta-feira, sobre como encaminhar as negociações envolvendo a questão do gás. Assinado pelos ministros de Minas e Energia do Brasil, Silas Rondeau, dos Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Soliz Rada, e pelos presidentes da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli de Azevedo, e da estatal boliviana YPFB, Jorge Alvarado, o acordo toma como ponto de partida o “espírito da Declaração de Puerto Iguazu”, onde Evo Morales e Lula debateram o tema.

Segundo o texto assinado, “as partes concordaram que a proposta de revisão de preços de gás seja tratada, de forma racional e eqüitativa, nos termos da Declaração de Puerto Iguazu, ao amparo dos mecanismos estabelecidos o contrato de compra e venda de gás natural”. Além disso, estabelece reuniões em nível técnico para tratar de uma fase de transição e formas de compensação negociada.

O documento também anuncia a criação de uma Comissão de alto Nível, composta pelos dois ministérios e pelas duas estatais, assim como de uma comissão técnica e três grupos de trabalho. O ministério de Minas e Energia do Brasil e a Petrobras reiteraram seu respeito pelas decisões soberanas do governo e do povo bolivianos. “Os métodos de trabalho estabelecidos na reunião refletem o interesse em aprofundar o diálogo bilateral”, conclui o texto.

A reunião deste sábado entre Lula e Evo Morales deve ser marcada pelo espírito dessa declaração, uma vez que o acirramento da disputa não interessa a nenhum dos lados. Os dois governantes devem se comprometer a tratar da questão do gás dentro de um padrão de negociações bilaterais. Após as trombadas verbais dos últimos dias, tudo indica que Evo e Lula se esforçarão para estabelecer um novo patamar na condução deste debate que acabou ganhando toda a atenção da mídia na cúpula entre União Européia, América Latina e Caribe.

CONFLITOS SURPREENDEM EUROPEUS

Representantes da União Européia (UE) e observadores internacionais manifestaram perplexidade com o clima de desunião entre os países da América do Sul, no início da reunião de cúpula em Viena. A Argentina está em litígio com o Uruguai, que ameaça deixar o Mercosul. O Brasil está em litígio com a Bolívia por conta da nacionalização do gás e do petróleo e do papel da Petrobras. A Venezuela anunciou a saída da Comunidade Andina, apóia Evo Morales na Bolívia e também começa a se estranhar com o Brasil. E por aí vai.

Durante a cúpula de Viena, a União Européia pretendia avançar nas negociações comerciais com o Mercosul e a Comunidade Andina. Já percebeu que será muito difícil. Segundo avaliação de Claudia Detsch, especialista em Cone Sul da Fundação Friedrich Ebert, o Brasil terá que assumir sua função de mediador para resolver o conflito entre Uruguai e Argentina.

Ao mesmo tempo, terá que trabalhar para baixar a temperatura na relação com Bolívia e Venezuela. Tudo isso, em meio a um crescimento de sentimentos nacionalistas em cada um destes países, realimentados a cada declaração mais dura de diplomatas e governantes. Uma primeira conseqüência prática desse clima foi o cancelamento da reunião entre líderes do Mercosul e da União Européia, marcada para este sábado, que teria o objetivo de tentar retomar as negociações de um acordo comercial entre europeus e sul-americanos.

Dos quatro presidentes dos países membros do Mercosul, três decidiram não participar do encontro que deveria ocorrer após o encerramento da reunião de cúpula: Nestor Kirchner, da Argentina, Tabaré Vázquez, do Uruguai, e Nicanor Duarte, do Paraguai. Assim, o encontro entre líderes de governo foi substituído por uma reunião em nível ministerial.

Nesta sexta-feira, o representante para Política Externa da União Européia, Javier Solana, expressou o temor de que a crise entre Uruguai e Argentina em torno das fábricas de celulose acabe provocando uma grave crise no Mercosul. Solana conversou separadamente com os presidentes Tabaré Vázquez e Nestor Kirchner na busca de uma solução para a disputa. “Faremos todo o possível para que se encontre uma fórmula viável, mas infelizmente, por enquanto, a tensão continua”, disse Solana em linguagem diplomática.

Em outras palavras: as conversas ainda não tiveram nenhum efeito prático na direção da superação da crise. Na avaliação do representante europeu, o Mercosul enfrenta atualmente dois fatores de desestabilização: a disputa entre Uruguai e Argentina e a decisão do governo venezuelano de sair da Comunidade Andina e aderir ao bloco sul-americano.

COMUNIDADE ANDINA ESTÁ MORTA, REAFIRMA CHÁVEZ

Falando sobre esse tema, Hugo Chávez reafirmou nesta sexta-feira que a Comunidade Andina das Nações (CAN) está morta. “Eu acredito que está morta. Enterremos os mortos e procuremos a vida, dizia Cristo”, declarou Chávez à rádio Caracol de Viena. Em meados de abril, o presidente venezuelano anunciou a saída de seu país da CAN, da qual participam o Peru, a Bolívia, o Equador e a Colômbia, argumentando que o Tratado de Livre Comércio que Bogotá e Lima assinaram com os Estados Unidos acabou com qualquer possibilidade de futuro do acordo regional.

Indagado sobre a possibilidade de salvar esse acordo, Chávez recorreu ao pensamento de Ilya Prigogine, Prêmio Nobel de Química de 1977. “Se salva o mundo, se salvam os povos, isso é o mais importante, o restante são estruturas dissipadoras, diria Ilya Prigogine”, declarou. Chávez disse ainda que os colombianos são um povo irmão e que os venezuelanos estão dispostos à integração dos povos e não à das elites.

A reunião de cúpula de Viena acabou não avançando em grande coisa. Mesmo que não houvesse o problema das disputas no âmbito do Mercosul e da América do Sul, a possibilidade de um acordo comercial entre os blocos depende do que for decidido na Rodada de Doha, da Organização Mundial do Comércio (OMC). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um apelo para que os líderes presentes na reunião de cúpula trabalhem para apressar o fim da Rodada de Doha.

Essa seria, segundo Lula, a melhor maneira de os países ricos contribuírem para a luta contra a pobreza. “A Rodada da OMC é a melhor chance que temos para reduzir ou eliminar subsídios, abrir mercados, aumentar a riqueza e gerar empregos”, afirmou o presidente brasileiro em discurso feito para 50 chefes de Estado. “Somente com um comércio verdadeiramente livre de entraves e subsídios é que poderemos integrar milhões de seres humanos à economia mundial”, acrescentou. Os problemas recentes na América do Sul recomendam uma boa dose de ceticismo quanto à concretização desse objetivo.

Fonte: http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=10859&boletim_id=26&componente_id=430

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