quarta-feira, abril 25, 2007

Artigo: Popularidade de Lula e a elite brasileira



Marcos Coimbra

Ponto

A popularidade de Lula é um mistério que intriga nossas elites há muitos anos. Enquanto ele cumpria sua sina de perdedor, amargando derrota atrás de derrota em seu esforço de chegar à Presidência, era apenas uma curiosidade. Quando ele ganhou as eleições em 2002, muita gente bem nascida entendeu. Afinal, “tinha chegado a hora dele”, pensaram, com alguma condescendência.
O resultado de 2006, especialmente o que aconteceu no segundo turno, porém, acentuou a sensação de algo incompreensível. Como é possível que alguém que sofreu as acusações que ele sofreu terminasse ganhando, tão bem, uma eleição a presidente?
Sua popularidade de hoje, atestada pelas últimas pesquisas de opinião, chega a ser uma afronta. Como explicar que tenha números tão expressivos de aprovação popular, com os problemas que atravessa?
Por que será que é tão difícil, para a elite brasileira, entender a popularidade de nosso presidente? Ou, ao contrário, por que alguns julgam tão fácil explicá-la?
Temos vivido entre esses dois pólos, do misterioso ao óbvio, faz tempo. Ora não a entendem, remetendo a explicação de sua popularidade a uma espécie de tara de nosso povo, seduzido por seu carisma rústico, de admiração ingênua por um “igual”, ora a entendem demais. Tudo fica esclarecido com a idéia que Lula “comprou” sua aprovação, distribuindo migalhas a pessoas tão miseráveis que qualquer coisa paga seu apoio. Nesse extremo, a popularidade de Lula é igual à soma de recursos que o governo gasta no Bolsa Família.
O curioso é que esses raciocínios tendem a aparecer juntos. A mesma pessoa que começa por se dizer incapaz de compreender, logo afirma que tudo consegue explicar. No fundo, o que prevalece é a visão que os pobres são facilmente compráveis, que, obrigados pela pressão da sobrevivência diária, deles se pode obter tudo em troca de alguns tostões, pois nunca teriam condições de agir em nome de princípios. Em outras palavras, seriam incapazes de atos morais. Como se dizia antigamente, na época (tão distante!) em que bacalhau era comida de pobre, “bacalhau basta”.
Todas essas noções estão cheias de erros, misturados com preconceitos. O fundamento da popularidade de Lula não é um “carisma” irracional. Ele não comprou sua aprovação com o Bolsa Família. Os pobres não se vendem (mais que qualquer outro segmento na sociedade). Tanto uma pessoa pobre, como uma rica, são aptos a julgar e avaliar o governo e usam critérios basicamente semelhantes.
Ao longo do primeiro mandato, Lula enfrentou duas crises graves de popularidade, a primeira em 2004, em função do “caso Waldomiro”, a segunda no ano seguinte, no “mensalão”. Em ambas, a avaliação de seu governo caiu em níveis críticos, de 20 e poucos por cento na soma “ótimo+bom”. Na segunda, a recuperação demorou, somente acontecendo mais de seis meses após o começo dos problemas.
O simples fato de ele ter passado por essas crises mostra que a população não tem uma “adoração” irracional por sua figura. Tão pouco que não consegue reprová-lo, por ter sido comprada ou manipulada. Quando Lula faltou com o que as pessoas esperavam dele, elas deixaram sua insatisfação bem clara.
É também necessário entender que essas crises foram graves, mas bem diferentes que aquelas que ocorreram no governo de Fernando Henrique, especialmente no seu segundo mandato. As crises de Lula foram políticas; as de Fernando Henrique, de gestão e de governo. Lembrar o que aconteceu no governo de seu antecessor não é manobra para desviar a discussão das responsabilidades do governo Lula. Ao contrário, é fundamental para explicar por que ele tem a avaliação que teve e tem: pessoas comuns (e normais) tendem a julgar o presente em comparação com o passado próximo.
Nada, nem remotamente parecido com os dois apagões do segundo governo FHC aconteceu com Lula. Ele não começou seu segundo mandato com a crise cambial de 1999 e nem passou pelo “pai de todos os apagões”, o elétrico de 2001. Com um mandato concluído, não viveu nenhum massacre de Eldorado de Carajás, nenhum episódio de doentes renais em Caruaru, nenhuma Clínica Santa Genoveva. Nunca disse, embora pudesse ser mal-interpretado, que aposentados eram vagabundos.
Nossa elite precisa parar de ver a popularidade de Lula como mistério ou como obviedade. Ela precisa reconhecer que ele tem a popularidade que tem simplesmente porque faz, aos olhos da maioria da população, um bom governo, seja pelo que faz de certo, na economia, nos programas sociais, seja pelo que não faz de errado, em comparação com seus antecessores.
Isto está longe de querer dizer que Lula faz todo o governo que poderia (e deveria) fazer, considerando, até mesmo, o nível de apoio popular de que dispõe. O tamanho de seu lugar na história depende dele enxergar isso. É muito grande; pode ser maior.

Marcos Coimbra é diretor do instituto Vox Populi

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