terça-feira, dezembro 23, 2008

Brasil pode sair maior e melhor da crise

A grande crise econômica que colocou os mercados econômicos em situação de profunda desorganização pode ser extremamente útil para que tenhamos noção da irresponsabilidade que tomou conta dos mercados financeiros de todo o mundo, em maior ou menor grau, e da conivência dos governos com a especulação desenfreada.

Pode, também, revelar como grande parte da imprensa atua de forma igualmente irresponsável, por conta dos interesses ideológicos ou mesmo das interfaces com o setor financeiro. Ademais, esta crise deve indicar novos patamares nas relações internacionais e novos paradigmas na economia global.

Sabemos que o estopim da crise foi o chamado mercado de hipotecas imobiliárias de segunda classe nos EUA. Como estopim não é bomba, podemos dizer que a explosão revelou um sistema financeiro doente, movido por uma competição irracional, com comissões e bônus impulsionando a falta de critérios, com as autoridades norte-americanas da era Bush mostrando-se criminosamente complacentes e até coniventes com essa autêntica linha de produção de ativos podres ou, por que não dizer, fraudulentos. Perguntas que devem ser feitas: qual a responsabilidade, mais uma vez, das empresas de auditoria? Quem se omitiu nos órgão de supervisão? Quem vai pagar por isso? E os bônus e dividendos pagos a executivos e acionistas por conta de lucros decorrentes de ativos podres ou fraudulentos? Ficarão por isso mesmo?

Essa explosão contaminou bancos europeus rapidamente, desnudando a fragilidade também do sistema de supervisão bancária do Velho Continente. A exposição ao risco de bancos europeus nas relações interbancárias com bancos americanos não foi corretamente analisada? Ou foi, e as conveniências impediram a ação corretiva apropriada?

A lição que o Brasil e outros países devem tirar é óbvia. A expansão do crédito é uma necessidade e uma virtude, desde que os instrumentos de auditoria independente e a supervisão estatal sejam capazes de identificar a tempo práticas irresponsáveis. Os sistemas de avaliação de garantias bancárias devem ser conservadores (já o são no Brasil, em geral). A alavancagem (quantas vezes um banco pode emprestar em relação ao seu capital e seus depósitos) deve ser limitada e fiscalizada pelo poder público.

Outra questão que devemos destacar é o papel do FMI, que mais uma vez se mostra absolutamente incapaz de atuar de maneira preventiva e pateticamente inócuo para remediar a situação, além de reafirmar seu temor reverencial aos patrões americanos e europeus que jogaram o mundo nessa crise. Fica evidente e urgente a necessidade de uma reforma radical dos mecanismos de avaliação e decisão do Fundo, sob pena de não se ter mais razão para sustentar uma instituição tão dispendiosa.

O discurso neoliberal foi para o brejo nesta crise. O mercado, que tem muitas virtudes, precisa de um estado forte e democrático para evitar que seus defeitos prejudiquem os menos favorecidos. O mercado comporta o risco, mas deve ter mecanismos eficazes de punição para quem só disponibiliza o risco para o emprego e a poupança do povo em razão da ambição alucinada dos ganhos de curto prazo.
O Brasil na crise: o que fazer?

O Brasil já está sendo atingido pela crise. A secura do mercado de crédito criou gargalos, que estão sendo tratados pelas medidas do governo Lula, via Banco Central, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, além de medidas normativas, sejam Medidas Provisórias e Resoluções do Conselho Monetário. Corretamente, a redução dos compulsórios e melhor regulamentação do redesconto no BC garantem liquidez interna. A venda de dólar futuro e também à vista combate a pressão cambial, evitando que a inflação, aliviada pelo recuo das commodities, se desloque para as mudanças de preços em dólar, em especial dos alimentos.

Ainda não se sabe qual será o impacto da desaceleração sobre a balança comercial e de transações correntes. A priori, são dois movimentos contraditórios que podem, potencialmente, influir nessas contas. De um lado, a desaceleração do comércio mundial. De outro, a melhoria do câmbio para as exportações, que podem nos ajudar na competição lá fora e também no mercado interno.

O nível de crescimento pode ser afetado? Sim, mas é precipitado afirmar a dimensão desse impacto. Primeiro porque o Brasil vem numa trajetória positiva de crescimento, cuja base, além do aumento da massa salarial e do crédito, está nos investimentos públicos e privados. E depois, pelo fato de que vários vetores do crescimento estão vinculados à ampliação da capacidade produtiva para atender demandas reprimidas historicamente, como habitação e saneamento, para as quais temos "funding" de qualidade (baixos custos e estabilidade de permanência) como FGTS e Poupança. Ou ainda na Petrobrás, que tem boa parte de seus investimentos bancados por caixa próprio, financiamento com garantias excelentes (produção de petróleo) ou FAT via BNDES.

Devemos, portanto, temer a desaceleração internacional? Sim, pois ela pode afetar volumes e preços dos produtos que exportamos, mas dificilmente a ponto de estancar um vigoroso processo interno de investimento estimulado pelo governo e acompanhado pelo empresariado. Só 14% da economia brasileira são vinculados às exportações. Por outro lado, com o dólar acima de R$ 2, indústrias serão estimuladas a substituir os componentes importados por nacionais, bem mais do que a R$ 1,60. E o mercado interno de massas, em plena construção, pode sustentar parte das eventuais quedas de demanda. Algumas indústrias que pensavam em vir produzir aqui estarão mais estimuladas, com renda interna em alta e dólar mais caro para importar.
Pisar no freio ou no acelerador?

Diz o samba que o "velho marinheiro, durante o nevoeiro, toca o barco devagar". É prudente, mas na economia é bom não ouvir os que sempre têm a mesma receita para os mais diversos problemas. Com a crise, já surgem aqueles que comemoram: agora, o governo vai ter que reduzir seus investimentos, pisar no freio, reduzir os gastos públicos e aceitar que economia não pode crescer.

É claro que o governo federal observa atentamente o desempenho da arrecadação, das exportações e importações, dos mercados de imóveis e outros bens duráveis. Mas terá caído na armadilha neoliberal se "morrer com o barulho do tiro". Ninguém sabe ainda qual será o grau de desaceleração dos países ricos e qual o grau de reverberação para o resto do mundo. A China, por exemplo, já tem um programa econômico para sustentar seu crescimento. O Brasil acumulou, nos últimos anos, um patrimônio de crescimento, via empregos formais, investimentos em infra-estrutura e políticas sociais que não deve ser jogado ao mar na primeira tormenta. O governo, de forma responsável, deve continuar trabalhando para manter, na medida do possível e desejável, o crescimento que evite que os males da estagnação se auto-alimentem, no rumo dos pacotes neoliberais que o Brasil conheceu de Collor a FHC.

É preciso lembrar que os grandes reguladores do mundo não foram capazes de garantir a estabilidade monetária e creditícia da globalização. E que o mérito do Brasil foi entrar nesta crise com solidez fiscal, liquidez cambial e crescimento em alta, em especial do salário e do emprego.

Não é arriscado dizer que o Brasil pode sair maior do que entrou nesta crise. As atuações do presidente Lula e seus ministros têm sido adequadas, sem exageros para mais ou para menos, e as medidas tomadas visam garantir que o Brasil prossiga crescendo, gerando emprego, renda e esperança para o nosso povo.
A mídia e a crise

Por fim, cabe registrar mais uma vez: setores expressivos da mídia fomentam o pânico, anunciando impactos que ninguém pode prever com segurança – e o pior, quase sempre alicerçados em discursos repetitivos de alguns ex-ministros, ex-dirigentes do BC e de estatais que quebraram o país várias vezes e hoje vivem de consultoria ou são conselheiros de bancos privados.

Ao anunciar o fim do mundo, numa espécie de novo "bug do milênio", parecem torcer para que o consumidor entre em pânico, fique trancado em casa, no escuro e em jejum. Quem sabe assim, o pânico vira caos e a previsão se realize. Felizmente, a imensa maioria do povo não costuma dar muita bola para essas análises. Afinal, o índice de acerto desses "especialistas" é muito baixo.

Ricardo Berzoini é presidente nacional do Partido dos Trabalhadores

http://www.pt.org.br/portalpt/index.php?option=com_content&task=view&id=71527&Itemid=201

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